terça-feira, março 04, 2008

4.

A memória desse encontro, como um segredo por desvendar, ficará perdida nas folhas das árvores e no sobressaltado voo do milhafre que desce da colina em voo picado. Ele sabe (presume saber) que ela não pode desejá-lo como ele a deseja; ela sabe que lhe está guardado um papel e conhece o lugar das antigas marcações no palco em que lhe é dado mover-se. Por isso olha do lado de dentro da casa; guardada pela obscuridade do interior; ainda a defender-se de si mesma. É uma tarde quente de fim de Verão. Ela olha-o através dos vidros da janela e imagina-o a subir a escaleira, a entrar, a aproximar-se, a ficar por um momento a olhá-la; e depois os seus braços fortes a apertá-la contra a parede, a tocá-la com fúria, a erguer-lhe a saia, a despi-la, a deitá-la no chão de soalho da cozinha. Mas ambos acabam por representar os papéis que lhes estão destinados segundo códigos antigos. Haverão ainda de encontrar-se várias vezes nos meses seguintes, trocar algumas frases breves de circunstância. Até que o mundo separará para sempre as suas vidas. E depois será tarde. É quase sempre tarde quando aprendemos tarde que a transgressão faz parte do jogo.