quarta-feira, março 19, 2008

13.

Na rua Direita, entretanto, Américo Matias sobe os três degraus que separam do acesso o espaço amplo da loja envolvida permanentemente por uma gaze de sombra. O Comércio Central tem o monopólio local da pólvora do estado e um completo sortido em artigos funerários, açúcar e café, bacalhau da noruega, arroz, sabão e pregagens, louças de serviço, vidros, miudezas, camisaria, luvas e calçado de Lisboa, chapéus, bolachas e vinho fino, tintas para pinturas, óleos e vernizes. Enquanto a guerra alastrava na Europa, e o Echos recenseava quinzenalmente os soldados do distrito que já não regressariam do front, e o preço do carbonato proibia a iluminação pública semanas a fio, e se consolidava o racionamento do pão e do açúcar, Américo Matias enriquecia e convidava a sociedade elegante da Vila para matinés dançantes com champanhe e biscoitos ingleses. As tradições, na província, perdem-se devagar. A guerra já findou, não há bem que sempre dure. Mas o que é preciso é estar vivo. E Américo roda com volúpia nos dedos grossos a prancha original do convite desenhado pelo Lindinho enquanto uma nuvem cinzenta desce do Toural e anuncia a partida da camioneta da carreira.