terça-feira, março 25, 2008

21.

Fernanda sobe de novo, despe o roupão, passa a mão esquerda, com volúpia, pelo ventre liso, a luz do seu corpo a iluminar as paredes do quarto [que é como quem diz, claro], a manhã indecisa a entrar pela janela virada ao nascente. Recorda a primeira vez em que se despiu diante de um homem. O engenheiro chegara em Novembro de mil oitocentos e oitenta e nove; passava os dias na serra com a brigada da floresta. À noite, depois da ceia, estendia as cartas topográficas na mesa da sala, os dedos finos, os modos galantes. Em fins de Fevereiro, à experiência, começaram as primeiras sementeiras e plantações: dezenas de homens e mulheres a desmatar a encosta, a abrir covas, o penisco, os pinheiros minúsculos a desenhar uma nova paisagem. À noite, depois da ceia, o engenheiro estendia as cartas topográficas na mesa da sala, os seus modos galantes. A taberna fechava cedo, o engenheiro foi o primeiro hóspede da casa de pasto: só mais tarde a taberna se transformou em pensão. Dona Fernanda recorda: nessa noite ficaram sozinhos na sala, as cartas topográficas estendidas na mesa, os seus dedos finos, os modos estrangeiros. Tinha quê? dezasseis anos. O engenheiro olhou-a nos olhos, tocou-lhe os cabelos, os ombros, o rosto. Era como se mais nada existisse no mundo para além dos seus dedos finos, os modos estrangeiros. E então subiram. [Sabe você (continua Maria Teresa) como me contaram este momento? Que, de súbito, no quarto muito escuro, a luz do corpo nu de Fernanda iluminou as paredes, o jarro com água, o livro de botânica, as velas de sebo, o lavatório, a pequena cómoda. Que, de súbito, no quarto muito escuro, era como se lavrasse um incêndio. Que a luz do seu corpo iluminou as paredes do quarto. Que era impossível olhar de frente esse esplendor.]