quinta-feira, outubro 03, 2013

[A minha avó clotilde]

A minha avó clotilde não
esperava do mundo
senão o dia que começava
a nascer. Chegava
à pequena varanda do largo do muro
e olhava os campos lavrados
ou em repouso
de ser o tempo da névoa
poisada nos cômoros. Depois
certificava-se de que havia
um cântaro com água
e fogo na lareira
ou luz suficiente nos pátios
conforme as estações

do ano. Administrava a escassez
com a sabedoria
de quem entende não haver
nada que falte
em havendo os lugares à mesa
e os retratos a sépia
nas cómodas
dos que não estavam presentes
por justa causa.
E quase não tinha lágrimas.
Chorava apenas de saber
que há sempre alguém no mundo
que se perde nos caminhos
e não encontra o caminho de casa.

[É como no jogo da glória]

É como no jogo da glória: a partida e a chegada
estão em lugares diferentes do tabuleiro.
Não tenhas a ilusão
de que regressas à varanda da infância
ou de que repetes a noite em
que havia o som de um acordeon
contra a chuva a bater nos vidros
das janelas. Tudo é sempre um outro lugar
e não é possível parar a meio do caminho e procurar
a sombra das árvores
que ficaram para trás. Tudo é já diferente
e o mais certo é que chegues aos lugares antigos
e não os conheças
ou não te reconheças neles.