quinta-feira, março 29, 2012

[6.]

EM VEZ DOS BASTIDORES

Em vez dos panos nos bastidores: a narrativa –
a linha descontínua de estrelas incineradas
com a língua
autóctone
a servir de espelho à água: a libertar-se
da âncora genealógica
pela destruição do livro
dos exemplos. E da meteorologia
o que retinham
era antes dos ciclones
a minúscula nuvem deslaçada do vento: até ao alicerce
e à raiz e à álgebra. E então aprendiam a ler
e a mover no ábaco
as doze contas
errando propositadamente
as sílabas antigas
todas.

quarta-feira, março 28, 2012

[5.]

A LOCOMOÇÃO

Ele dizia «eu movo-me
de ver crescer o trigo
na umbria». Porque há um momento
em que a heresia e a coragem se confundem
e a baixa densidade dos núcleos
remove
por intuição
a desmesura
das memórias
descritivas
dos interesses. Ele desenhava a cidade
a graffiti. Ele fazia as plantas
e os alçados
dos contentores das obras de restauro
e projectava os jardins
nas periferias
contra a cartografia dos planos
recentes. Ele dizia
«eu sou movido pela dissolução da água»
como se a locomoção
fosse uma questão
de regime.

terça-feira, março 27, 2012

[4.]

AS MÃOS

O temor
de que fosse pecado
a exaltação:
isso as levava a afastarem
da boca dos fornos
o ferro
e o alumínio. E recuavam
deixando na pedra
os aventais azuis
para que a massa resplandecesse
na divisória
incandescente
à rarefacção do ar.
E ouvia-se ao
longe o rumor contínuo do tempo. As mãos
a procurar ainda –
a esconder ainda:
o lareiro das fornalhas, a levedação,
os milagres.

quinta-feira, março 22, 2012

[3.]

A LABAREDA AZUL

Em vez do pavio aceso –
trazia à loja os rastilhos de cerâmica. E guardava
a luz irregular
do petróleo
erguendo-a
nos candeeiros de vidro.
Os sacos de sementes e o tendal –
esse pó levantado: a sombra irrespirável
a queimar os pulmões dos fantasmas
debruados a sépia
nas capas
dos livros
das estantes. E a apagar a chama
e a acendê-la de novo.
E vinha então a dissensão
e
espalhava nas divisões da casa
a labareda azul
da resina.

quarta-feira, março 21, 2012

[2.]

A ENERGIA EÓLICA

Para respirar
eu procurava nesse tempo as vagarosas pás
dos aerogeradores.
Corria o agosto
e discutia-se o estilo
nas esplanadas das praças. E alguém dizia «o verso,
a semiótica»
e adormecia
de caírem
com a calma
as aves
nos relvados. Outros
[por exemplo]
defendiam a obscuridade
e usavam a álgebra e logaritmos
e traziam som e estrados portáteis a que se acedia
pela levitação.
Só eu não tinha uma teoria
e preenchia
os impressos das finanças:
corria o agosto e
nesse tempo [lembro-me]
a energia eólica
deduzia-se
dos impostos.

terça-feira, março 20, 2012

[seis poemas para uma obra colectiva. 1.]

OS QUE SE DEDICAM ÀS ARTES CÉNICAS

Agora me lembro –
do fundo das noras erguia-se
a labareda
das rosas
dos quintais.
Aprendera a respirar
abaixo
da linha de água.
Mas não era possível ainda
enlouquecer
pela perseverança
nas artes cénicas. E então as mulheres dos montes
viravam os estrados
para o lado de dentro
dos teatros
como se o luxo
da estreia
fosse quase insuportável
e irradiasse nos espelhos
das cerimónias. Agora me lembro –
do modo como o pêndulo
na imensa manhã desse tempo
oscilava
nos ensaios
e
ia e
vinha.

segunda-feira, março 19, 2012

[eraser, 7]




jcb. tinta plástica sobre tela, 0.80x0.60 m.

sexta-feira, março 09, 2012

[Os Investimentos, 2]

Era o frio
que trazia as rezas e os louvores.
Era quando os fantasmas do esquecimento
atravessavam as divisórias
dos quartos.

A névoa ficava poisada nos campos
e depois deslaçava vagarosamente
para que a neve descesse
das cumeadas
distantes.
Uma imensa navalha de silêncio
cortava os vales
como se fizesse uma incisão
num corpo adormecido
nos arames
das vinhas.

E então rezava-se em voz alta
como se estarmos vivos
dependesse
de nos ouvirmos
uns aos outros. E o eco das orações
atravessava
os campos de pousio.

Havia sempre alguém
que desconhecia
os mitos. Havia sempre alguém
que saía à rua
nestas tardes paradas
como a água
dos aquários
das casas
em ruína.

O cão das múltiplas cabeças
guardava os labirintos
subterrâneos
à entrada
da mina
das nascentes.
Parecia afável.

E havia sempre alguém
que se aproximava
e entrava
sem saber
que nunca se regressa
dos lugares
ausentes.

quinta-feira, março 08, 2012

[Os Investimentos, 1]

Não éramos felizes
se a felicidade é esse reconhecimento de
que chegámos a um lugar ou um estádio
desenhado nos mapas. Não tínhamos projectos
e estávamos além disso.
Só não sabíamos
que tínhamos
tudo.

Nas tardes quentes dos meses de julho
gostávamos de ficar assim
nas esplanadas
ou nas mesas das tabernas das aldeias
a ver apenas o tempo
a envelhecer
enquanto bebíamos cerveja
pelas garrafas. Chegava o inverno
e a nossa idade
era a mesma
em redor das lareiras
acesas.

Há uma fotografia de grupo
em que os nossos rostos parecem
atravessados pela luz improvável
das profecias. Como se não vivêssemos
onde estávamos
ou não fôssemos contemporâneos
do tempo
que vivíamos.

quarta-feira, março 07, 2012

[eraser, 6]



jcb. acrílico sobre papel, 0.80x0.60 m.

terça-feira, março 06, 2012

[klee em 2012. fragmento]



jcb. acrílico sobre papel.

[eraser, 5]



jcb. acrílico sobre radiografia.

sexta-feira, março 02, 2012

[eraser, 4]

apagar as imagens invertidas pelos espelhos
deixar apenas a luz ainda breve dos
meses de abril caída nos muros
a alusão da árvore
uma linha estreita a separar a
casa e o espaço das ausências

as crianças não aparecem no retrato
mas é
como se estivessem lá
partir é
quase sempre um imposto voluntário

[eraser, 3]

foi quando disseste «eu
quero ser estrangeiro»
chegamos quase sempre tarde

[eraser, 2]



jcb. acrílico sobre tela, 0.70x0.50 m.

quinta-feira, março 01, 2012

[eraser]




jcb. técnica mista sobre tela, 0,60x0,60 m.