quarta-feira, novembro 30, 2005

Os objectos

Olhas a casa em ruínas e vês por instantes os objectos poisados nas mesas. Como se aguardassem a chegada de alguém que retomasse um ofício. Como se o tempo pudesse retomar a sua ordem. Como se tu próprio não tivesses regressado senão para concluir essas tarefas que ficaram por fazer.

terça-feira, novembro 29, 2005

Não é verdade:

«Breves as águas da memória nos levam aos antigos valados, aos muros, às sebes, aos primeiros nomes das primeiras frases.»

Não é verdade: as águas da memória correm a par com os destroços das primeiras chuvas de Novembro. As canas que se desprendem dos taludes, a ignomínia, os torrões de mercúrio, a sombra fixada na pedra dos depósitos de vertente, as raízes das margens sujeitas aos processos erosivos – tudo isso corre, ou há-de correr um dia, no antigo leito das águas vagarosas da memória. Acontece que às vezes só muito tarde o sabemos. Demasiado tarde.

segunda-feira, novembro 28, 2005

As árvores

jcb

quarta-feira, novembro 23, 2005

2005.11.23




terça-feira, novembro 22, 2005

A chuva

A chuva podia ser um dos nomes da infância. Um dos seus mistérios mais perfeitos. A água a desenhar linhas sinuosas nos vidros das janelas, a devolver-nos o rumor enigmático do zinco dos alpendres, a correr nos pequenos canais entre as veredas dos campos e os taludes cortados em declive, a estender-se nos leitos de cheia cortando pela metade os troncos das árvores. Porque as crianças olham a chuva e vêem simultaneamente uma nuvem: uma nuvem muito leve a erguer-se contra o céu dos fins de tarde de Junho – e que era já a promessa da água que mais tarde haveria de desenhar linhas sinuosas nos vidros das janelas.

quarta-feira, novembro 16, 2005

o inverno


jcb. Óleo sobre fotografia.

O silencioso rumor das águas subterrâneas: a nora da casa de cacela. Como se fosse uma árvore: as amendoeiras no mês de fevereiro: o branco, o rosa, o azul.

terça-feira, novembro 15, 2005

segunda-feira, novembro 14, 2005

Regresso

Breves as águas da memória nos levam aos antigos valados, aos muros, às sebes, aos primeiros nomes das primeiras frases.

terça-feira, novembro 08, 2005

Cal

O mundo reflectido no branco das paredes das casas, dos muros, dos tanques, da cisterna, dos valados que deixam salientes as pedras cimeiras.

Terra

O primeiro nome do mundo, a primeira palavra, o ocre iluminado pela sombra festiva das alfarrobeiras jovens.

sábado, novembro 05, 2005

Guitare et partition sur guéridon


Pablo Picasso

Ainda não chegou. Continuo à espera. Impaciente. Mas talvez só amanhã, pelo fim da tarde.

quarta-feira, novembro 02, 2005

Empreita

Fazê-la com três, com seis ou com nove folhas. E dizer em voz alta essas leves sílabas: alcofa, abanico, vasculho, vassouro, capacho, tamissa, cestinho do pão.

Esparto

A memória dos trabalhos domésticos: o peso das sombras entranhado, mais que a gordura, nos tachos e nos alguidares.

Memórias do Verão

É assim às vezes o Verão: esse lume ou a pele, o luzeiro das águas, uma nuvem de fogo a repetir a paixão adolescente e os seus inúmeros caules.

Novembro: crepúsculo





jcb

terça-feira, novembro 01, 2005

Um país

Há um país onde as crianças acendem
nas manhãs de Junho
os seus archotes de vidro
incandescente

e armam ciladas nos poços
onde sucumbem as
remanescentes mágoas

do Inverno.

E depois
as mulheres demoram a tarde
a encher as alcofas de empreita
com as amêndoas
e o lume

do ano.

E as aves regressam de longe.

E a memória de tudo é só um rumor
quase familiar
de sombras antigas adormecidas
nos pátios.