domingo, março 16, 2008

4.

E então Lalice veio à janela (conta Maria Teresa) e olhou a casa do largo como se também ela pudesse ruir, de súbito, por entre o tisne e a fuligem. O doutor Magalhães acaba de subir à varanda. Puxou a cadeirinha de lona branca e azul para junto do gradeamento de ferro e arregaçou as mangas da camisa em dobras simétricas. Não tardará que venha a sentar-se flectindo cuidadosamente os joelhos e puxando ligeiramente as calças, tirando depois os sapatos de verniz e as peúgas de algodão, enfiando finalmente os pés descamados na bacia de porcelana. Mas por enquanto fica ainda a olhar o perímetro do mundo: a encosta do outro lado do vale, virada ao norte, os pinheiros que a seus olhos se erguem cinzentos e castanhos, o voo de um milhafre sobre a cumeada, a nuvem de gases e poeira que começa a espalhar-se em redor e a precipitar até ao ocre do saibro. Também ele, como Lalice, teme a chegada da camioneta da carreira. Também ele concede que o mundo seja maior que o perímetro da bacia hidrográfica do Terva. Mas custa-lhe admitir que alguém possa chegar de longe; teme que alguém possa chegar e instituir uma nova ordem ou impor um novo conjunto de regras. Porque tudo tinha já os seus limites estabelecidos, as suas fronteiras desenhadas. E a camioneta da carreira trazia consigo, mais que o rumor dos motores e uma nuvem de fuligem, a ameaça do que não tem ainda um nome.