2.
Aline (conta Maria Teresa) nasceu em mil novecentos e sessenta e oito. Mas a sua história podia começar no dia distante em que os cães do Pai Ventura morreram afogados na corrente gelada das águas da ribeira do Fontão. Ou umas décadas depois, nessa manhã de Setembro em que a camioneta da carreira chegou à Vila e encontrou o Lalice desavindo. Ou mais tarde ainda, em mil novecentos e cinquenta e nove, quando um topógrafo de Lisboa foi visto a tirar miras na Ponte Pedrinha e se descobriu que uma mulher deslumbrante o acompanhava. É indiferente. Porque as histórias repetem-se ao longo do tempo: só mudam os nomes, os lugares, a paisagem. É como se as pessoas fossem sempre as mesmas. A repetir os mesmos gestos. A insistir nos mesmos erros. Por isso há-de desculpar a minha desatenção quando subverter a cronologia dos factos, quando a inverosimilhança baralhar os fios do relato, quando um personagem desaparecer sem que se lhes dê paradeiro, quando um outro surgir a despropósito.