35.
Arnaldo Adão, o Lindinho, ouviu o rumor sobressaltado da camioneta da carreira e vem à janela da repartição de Finanças. Do outro lado da rua, do outro lado de um rectângulo atravessado pelas grades, entre quatro ferros verticais, o rosto de Serapião Afonso recorta-se na penumbra húmida da cadeia civil. O Lindinho estremece: ninguém como ele conhece os segredos da Vila. Suspira e recolhe-se de novo aos livros, apura a caligrafia. O seu trabalho, que desenvolve com invulgar mérito, consiste em dar as entradas e as saídas de correspondência, classificando os documentos por assuntos e resumindo o teor numa letra cursiva que é já quase mítica. Os processos são poucos. Em alguns dias o movimento resume-se a um ofício assinado pelo chefe da repartição em tinta permanente. Ainda assim, aplicando-se sobre as páginas gigantes do livro de correspondência expedida, ligeiramente curvado e com o antebraço dobrado em ângulo recto no ressalto da estante, Arnaldo Adão concentra-se durante duas horas no seu mister até passar o mata-borrão sobre a última letra ou sinal gráfico e o Agenor se levantar da secretária e aprovar a obra-prima num lento e concentrado semicerrar das pálpebras.