quinta-feira, abril 10, 2008

3.

O fim do mundo só pode ser um lugar assim, perdido entre a tempestade do Inverno e a poeira dos meses de Verão. Há qualquer coisa de irreal nestas ruas, nestas pedras arrumadas a fazer de casas, nestas crianças muito sujas a correr descalças nos taludes das barreiras de saibro. E no entanto as pessoas olham-me como se eu é que fosse o elemento estranho, como se houvesse uma ordem que eu pudesse pôr em causa só de respirar ou mover os braços. Luís Raposo, o carregador que tinha justado em Vidago, seguia muito direito, não obstante o cansaço, quase orgulhoso de me trazer como um troféu a este lugar perdido e fora do mundo. E garantia-me que haveria de «ajeitar um lugar asseado, senhor engenheiro». Levou-me ao cimo da Vila e entrámos numa taberna escura. O ar era quase irrespirável e o cheiro da merda ia-se diluindo numa atmosfera de ranço e vinagre. Acomodaram-me num quarto: um espaço exíguo, sem um único vão a cortar a parede de taipa: duas velas de sebo, o lavatório de zinco, uma pequena cómoda de castanho sem adornos.