quinta-feira, abril 24, 2008

15.

Primeiro foi a chuva, e depois o vento, e depois a geada, e depois a neve e esse silêncio que, em vindo a noite, parecia ficar agarrado às estrelas por fios invisíveis. E depois a Primavera, com o colorido das encostas e a neblina, manhã cedo, a erguer-se vagarosamente dos vales. E depois o Verão. E já quase o Outono. Os dias revertiam desse calendário feito de luz e sombra, gelo, vento, calor e penumbra, chuva, claridade, névoa. Tudo arrumado: o gelo, a chuva, o vento; a névoa, a claridade; a luz, o calor; a sombra, a penumbra. Vive-se em função desse calendário meteorológico: as pausas e a vertigem, o arado, os enxertos (o garfo e o cavalo), o centeio estendido nas eiras, o aricar e o tender, o escafular, o uso da tarandeira, os merouços de palha. Alguma coisa mistura os frutos e os homens, as mulheres e as folhas e as raízes das árvores, as crianças e a cor dos matos das vertentes; até não haver nada que separe um caule e um gesto. É tarde. Tarde da noite. Revejo as memórias descritivas, as plantas à escala 1:2500, os levantamentos topográficos, os esquemas de plantação; e compreendo que algo separa irremediavelmente os meus planos e a realidade tangível.