quinta-feira, abril 03, 2008

40.

O Lindinho tinha fama de maricas. Passava o tempo a ler romances ou a ajudar as senhoras em tarefas femininas: arranjos de flores secas, decorações de natal, centros de mesa, papéis recortados, vidrinhos de terra, pintura em cerâmica, ovos de páscoa, fustes coloridos, redacção de convites com volutas desenhadas a tinta-da-china, escolha de tecidos para cortinados, conseguir um ponto de caramelo, preparar um bouquet garni ou um clafouti de maçã reineta. O Agenor, por sua vez, espumava da boca, em público, a olhar um tornozelo. E quase todas as segundas-feiras, logo de manhã, chamando o Lindinho ao varandim das traseiras do edifício das Finanças, puxando de um cigarro, contava-lhe pormenores das aventuras de sábado à noite na casa da Rute. «Gostava de o levar lá uma destas vezes, Arnaldo. Aos sábados, menino, como é que lhe hei-de explicar? Mas você. Olhe que aquilo não morde.» E então olhavam na direcção da casa de Carminho, dona Carmo. À distância de trinta a quarenta passos, parcialmente encoberta pela ramagem de uma nogueira, adivinham-se-lhe as pernas até um pouco acima dos joelhos, o pescoço descoberto. Damásio Martins não vem há uns três anos à Vila. «Eu queria lá saber dos Estados Unidos do Brasil e da árvore das patacas. É como lhe digo: há gente que não sabe dar valor ao que tem.»