7.
Não sei que mais lhe diga. (Há pouco mais a dizer: e algumas dessas coisas, por pertencerem a um reduto de intimidade, não devem dizer-se.) A tragédia, como imagina (conta o dr. João Marcos), ficou agarrada ao pai de Aline como uma doença do corpo. Menos de vinte linhas resumirão tudo o que falta dizer: Aline nasceu num domingo de Páscoa; ele, nesse dia (eu tinha regressado da cidade), procurou-me num alvoroço: mas nem assim um sorriso foi capaz de abrir o seu rosto; deixou a aldeia, claro: foi viver para uma casa que o seu avô tinha deixado à ruína (afastada do mundo: chegava-se por um caminho de pé posto) a jusante da Ponte de Arame; arroteou o pequeno vale confinante, despedregou a encosta, semeou centeio e um milho de regadio, fez uma horta, erigiu um forno, arrumou um curral. Reconstruiu a casa, vagarosamente, uma pedra e depois outra. Ergueu muros. O tempo corria sem aparente agitação ou sobressalto. A Ana Paula nunca mais se ouviu uma palavra. Aline, depois dos seis anos, foi à escola. Passava a semana na aldeia; em casa dos tios. Eu continuei a visitá-lo como se a tragédia não tivesse alterado tudo. Nunca se falou de Luísa. Nunca se falou desse dia em que ela apareceu, ninguém sabe como nem porquê, morta, à hora do casamento da irmã, coberta por um lençol de linho no chão do adro. Desculpe ter falado tanto (e tão pouco). Você perguntou-me apenas se conhecia o pai de Aline; se éramos amigos. Sei lá que lhe diga. A vida é o caralho.