sexta-feira, fevereiro 08, 2008

5.

Aline tem nas mãos uma fotografia antiga da casa. Aline viveu dezasseis anos nesta casa afastada do mundo, longe do asfalto, erguida entre a linha de festo e um ligeiro talvegue. A casa é hoje uma ruína. Aline não assistiu ao modo como o telhado foi ganhando um ondulado insólito até o espigão da cumeeira ceder ao Inverno, como a hera e a vinha-virgem treparam as paredes até ocupar as juntas do perpianho e desalinhar as pedras arrumadas, como as portas e as janelas deixaram apenas o vazado dos vãos, como as grades das varandas se inclinaram e desmoronaram no pátio num amontoado de escombros. Aline, muito tempo depois, tem nas mãos uma fotografia da casa a que nunca mais regressou. Olha a fotografia. E descobre, num súbito sobressalto, que a imagem da casa e a memória que tinha da casa são completamente diferentes. Aline olha a fotografia com a estranha sensação de que nunca viveu neste lugar. Como se o tempo tivesse apagado os anos da infância e da adolescência ou como se a infância e a adolescência não tivessem feito parte da sua vida.