quinta-feira, fevereiro 28, 2008

2.

Ela adivinha o quanto ele a deseja. Consegue sentir o seu desejo no modo como respira ou (subindo ela a escaleira) faz uma pausa na tarefa de rachar a lenha para poder olhá-la simulando olhar o horizonte. É uma tarde quente de fim de Verão. Os salgueiros e os amieiros, com as suas folhas escuras e os fustes densos, marcam o talvegue do rio. O brilho quase incandescente dos troncos muito brancos das bétulas parece inverosímil. O tojo e a urze, na encosta, não perderam ainda as flores amarelas e roxas. Os robles mais jovens erguem na umbria os troncos lisos de um cinzento ténue. Do lado de dentro da casa, defendida pela obscuridade do interior, ela olha-o através dos vidros da janela a admirar o movimento preciso do corte, os músculos distendidos erguendo o machado, a distensão depois acompanhada de um grito brevíssimo no momento preciso em que a lâmina toca a madeira. Não há uma nuvem. Esse grito e esse som da lâmina a atravessar os paus de lenha, quase simultâneos, quebram o silêncio, a espaços, repercutindo o estampido de um disparo na abóbada do vale.