6.
O tédio é o contrário do sobressalto. O tédio é uma aranha de silêncio a tecer as suas teias recônditas: a urdidura e a trama. Não é possível definir o momento preciso em que esse delicado tecido, depois de cruzados todos os fios da lançadeira, se mistura na pele e a vai atravessando por osmose: até à indiferença. Aline olha a fotografia da casa e enreda-se na contradição de supor que não viveu uma parte da sua vida e de simultaneamente saber que não poderia deixar de a ter vivido. Aline recorda o desconforto, a solidão, a tempestade, o afastamento do mundo. Imagens vagas: a neve a misturar-se na lama dos caminhos, a água da chuva, muros de pedra, caminhos de terra, as árvores e os bosques. E no entanto uma funda inquietação a percorre e Aline esforça-se por trazer de longe uma imagem nítida, límpida, uma âncora, um momento em que a vida e a sensação de estar viva possam coincidir e fazer sentido: uma imagem nítida, límpida, em vez da sombra e da urdidura do tédio. E só então compreende que é possível ainda o sobressalto e que é preciso começar tudo de novo.