sexta-feira, fevereiro 15, 2008

9.

Aline nasceu em mil novecentos e sessenta e oito numa casa afastada do mundo a cinco quilómetros duma aldeia (de cujo nome não quer recordar-se) afastada do mundo. Pela primeira vez desde o dia distante em que saiu para não mais voltar, espalhadas numa mesa com tampo de vidro, Aline tem diante de si fotografias da casa. Numa delas, a mais antiga, poderia ser o seu rosto o que se desenha, difuso, por detrás dos vidros da janela da cozinha. Mas é como se as fotografias e a sua vida contassem histórias diferentes. Aline olha o rosto que se esconde por detrás dos vidros da janela da cozinha mas o rosto que se esconde por detrás dos vidros não poderá ser o seu rosto. As fotografias mais recentes, curiosamente, parecem-lhe mais próximas do tempo antigo da infância. São retratos do abandono, da ruína, de escombros. O abandono (o tempo) investiu contra os telhados e as paredes, a varanda e o pátio, o terraço e a escaleira de pedra, o muro de xisto e as árvores do terreiro. E é nesse retrato de escombros que mais se revê. Como se não fosse já possível regressar senão à ruína e ao abandono. Ao que não existe. Como se a ruína e o abandono, sobre todas as coisas (o prazer, o tédio, o desejo, o sobressalto), fizessem parte da sua vida.