quinta-feira, fevereiro 21, 2008

3.

O pai de Aline (conta o dr. João Marcos) era pouco expansivo. Tímido. Mas de uma timidez que parecia reverter do orgulho. Havia qualquer coisa de nobre, de distintivo, de delicado, no modo como caminhava ou se sentava à mesa ou batia a pedra do isqueiro até iluminar a torcida de trapos. Por isso ficava quase sempre de fora dos jogos raros do mundo rural: os dias festivos associados aos trabalhos do campo. Por isso ficava quase sempre de fora do jogo recorrente de subentendidos e alusões relativos ao sexo. A sexualidade, a ideia de prazer, numa aldeia de montanha, nesse tempo, eram reprimidas até ao exagero. Compreende-se, pois, que estivessem sempre presentes. Mas o pai de Aline era pouco expansivo. E portanto se levou tão a sério a sua paixão sem reservas (pública) por uma mulher. Luísa. Era esse o seu nome. A tragédia, olhando os seus lábios e as suas pernas esguias, os seus olhos fundos, o seu aparente distanciamento das coisas do mundo, era como se estivesse anunciada nas folhas dos negrilhos ou nas páginas dos livros.