quinta-feira, janeiro 22, 2009

5.

O anexo dava para uma espécie de pequeno pátio perdido no dédalo de ruas. O espaço público e o espaço privado misturavam-se em limites difusos. João, à noite, gostava de passear por este labirinto a sentir-se livre e intruso. A pisar o pavimento comum e a desviar-se de uma corda com roupa pendurada; a ver, ao fundo, por uma abertura vertical entre duas casas, o mar parado com a lua poisada nas águas; a olhar o interior das casas através das janelas sem cortinas; a confrontar-se com o escuro de um recanto ou com a luz de um candeeiro e com as figuras geométricas desenhadas pela sombra nos degraus ou no resguardo das açoteias. João abriu a porta metálica do anexo, subiu ao quarto, ligou o computador, sentou-se. Tinha uma mensagem de Paola Natucci. Acendeu um cigarro, recostou-se na cadeira, olhou as volutas de fumo. Só então leu o mail. Num inquietamento confuso. Três versos. Uma dedicatória. E não compreendia o sobressalto de receber mensagens de alguém que não conhecia, cujas mãos não tocara nunca, cujo rosto era ainda uma abstracção. Como se às vezes fosse preciso rever tudo o que pensamos sobre um determinado assunto.