quarta-feira, janeiro 14, 2009

3.

A coisa começara há uns meses. João tinha acabado o curso de engenharia civil e aproveitou uma oportunidade de trabalho no Sul. Estava assustado e fascinado. Como todos os jovens para quem os caminhos se abrem ao futuro e apenas existem sombras nas bermas dos caminhos de ser a luz tão intensa contra as suas árvores ou os seus muros. Deixou Lisboa e chegou ao Sertão. Era em Outubro. E tudo era novo: o verde escuro das folhas que soube depois serem as folhas perenes das alfarrobeiras; o odor intenso a sémen que soube depois ser o odor das alfarrobeiras acabadas de varejar; um rumor contínuo que soube depois ser o rumor do levante. Alugou um anexo com um quarto e uma casa de banho. No quarto havia um balcão a fazer de cozinha. Vicente, o proprietário, perguntava-lhe: «então me diz o quê do apartamento, senhor João?» E ele que sim. E que apreciava sobretudo a açoteia a que acedia por uma escada estreita e de onde se via o mar. Os dias passavam e sentia-se ainda um intruso. Era raro sair à noite. Ficava em casa. Mas o Vicente insistia. No café jogava-se à sueca ou aos três setes e bebia-se cerveja. E um dia atreveu-se a jogar. E todos riram muito de lhe dar uma limpa ao apanhar-lhe uma manilha de copas que guardou para o fim e poderia ter baldado quando já não havia trunfos e o rei de paus, que o parceiro, num sorriso, bateu com estrondo na mesa de fórmica, era mais que seguro.