quarta-feira, janeiro 14, 2009

2.

Às vezes é preciso rever tudo o que pensávamos sobre um determinado assunto. Ou dávamos como adquirido. Porque vem de longe, de antes de nós, o que julgamos ser. No lento fluir das águas dos rios ou na repetição de gestos e imagens. Até ao sobressalto. Até ao momento em que se desmoronam os muros antigos. Paola enviou-lhe um poema com dedicatória. E João sentiu que essas sílabas lhe pertenciam desde sempre. Que esses versos atavam um e outro nos seus nomes. Ora acontece que João Matos nunca tocara os seus ombros. Nunca passearam juntos nas ruas do Inverno, dando as mãos, correndo numa brincadeira de crianças a olhar a nuvem que fica suspensa por instantes quando respiramos nos dias frios. Nunca, um ao lado do outro, correram nos areais da praia a olhar os barcos repetindo o movimento cavado da ondulação das marés do solstício. Apenas trocaram mensagens por mail. Defendidos pela distância que separa as palavras e a abstracção delas. E João pensava que a paixão exigia o tempo que vai das mãos a outras mãos. O sobressalto de ver nuns olhos, na transparência desses olhos, a água da chuva e o rumor da água da chuva a correr a caminho das nascentes. Em sentido contrário ao dos movimentos do mundo.