domingo, outubro 12, 2008

29.

Luísa sentia-se confusa. Havia dois tempos que pareciam sobrepor-se e afastar-se. E, entre eles, as interrogações; as dúvidas. Luísa ouvia apenas a espaços os diálogos de João e Adriano. «Isto, como você sabe, é uma máquina; vai onde se quiser, amigo João; ao fim do mundo.» O tempo, a passagem do tempo, era o objecto de reflexão. Luísa compreendia finalmente que o prazer não está no que julgamos ter mas no que se teme perder do que se dá e recebe. Luísa conhecia o prazer de o procurar em si mesma; e de o receber dos outros. Mas só agora compreendia que o prazer verdadeiro se desenha na fronteira dos desastres; na precariedade dos seus excessos e das suas iluminações. Talvez o amor e o prazer pudessem confundir-se. Talvez fosse preciso o tempo (a passagem do tempo) para que o prazer (o amor) alumiasse as suas falhas, as suas ausências. «O mundo, amigo João. Oh, o mundo. O mundo é o que quisermos que nos possa pertencer. A Vila, claro, como sabe…» Porque o amor (o prazer) não existe se a conquista não for a sua permanente definição. E Luísa sentia o prazer pela primeira vez. Procurando-se; lutando por ele; na certeza de que o hedonismo não é senão a máscara do que verdadeiramente procuramos em nós mesmos. «Sim, o Brasil. O Brasil. A imensa Europa. A música, as cidades, as mulheres, amigo João.» O Fiat avançava por dentro da tarde quente; entre a poeira levantada e a sombra que começava a descer. E Luísa sentia-se confusa: descobrira finalmente o amor; e intuía o quanto esse momento era raro entre a terra e o céu.