quinta-feira, outubro 09, 2008

27.

Talvez tivesse sido plantada em mil oitocentos e sessenta e cinco. Porque foi nessa altura que Américo Fontes deixou a Aldeia e começou a limpar o terreno da Mina e, aos poucos, a erguer muros e paredes. As casas têm um cheiro que não se repete. Esta casa está impregnada do aroma da tília de folhas pequenas em forma de coração. João vagueia pelo perímetro dessa parte do mundo; sobe a escaleira exterior e, da pedra da varanda, olha o pátio onde a árvore continua a erguer-se como se o seu papel fosse o de testemunhar a ruína e guardar os segredos. Por entre caliça e poeira, por entre pedra miúda e restos dos travejamentos, João vê uma lata de conservas enferrujada, a moldura de um retrato, cacos de loiça e de vidros de espelho, um pente, um bacio de esmalte, uma boneca de plástico sem pernas nem braços, os sinais de fogo onde foi a lareira, cinza calcinada no chão do forno, ferros da cabeceira das camas, um garfo, uma trempe retorcida, um alguidar partido. João vagueia pela casa como se o odor da tília trouxesse o passado e o misturasse ao tempo presente. Mas tudo são restos, pedaços, resíduos. Luísa repete: «vai sendo tarde, João». E enfim regressam. Caminham em silêncio. Até que João pára por um instante como se fizesse um resumo: «Vou reconstruir a casa. Ainda haveremos de viver aqui. Amanhã mesmo começo a tratar das coisas.» A copa da árvore desenhava-se ainda sobre a ruína quando retomaram o caminho de regresso à Aldeia; as águas do rio, ao fundo, desciam o muro da presa, corriam por entre as poldras do gralheiro da curva do Lameiro Grande; o rumor da corrente ouvia-se como o eco de coisas distantes no tempo; e depois o silêncio caiu de novo sobre a montanha.