aguenta-se até ao gume mais afiado da faca do silêncio
aguenta-se sempre
aguenta-se até ao coração de pedra a
bater por dentro dos pássaros das migrações
aguenta-se até à ignomínia de compreender que
sucessivamente se alteram as regras a meio do jogo e
se esconde o mapa dos labirintos
aguenta-se sempre
de longe vem a narrativa dos sonhos desenhados em papel de cenário
de longe vem a narrativa da abundância
as crianças corriam nos panfletos de papiro com sorrisos de água
os homens dos senados moviam as pás dos moinhos com a máquina vibratória da
ocultação dos interesses
a retórica era uma das disciplinas mais avançadas dessa civilização antiga
mas a verdade é que se aguentava sempre
e aguentou-se até à memória de uma geração perdida nos
bosques indefinidos dos desencontros
até que o império começou a ruir a partir dos seus alicerces frágeis
altas colunas de mármore a desmoronarem-se nas arenas do circo
até as caravanas levarem os últimos grupos
e nos caminhos do império ficar apenas silêncio
e nuvens de poeira
que não assentaram ainda
que vão demorar séculos a assentar