acreditemos por uns dias que é possível regressar ao coração desabitado dos bosques
à página em branco onde podemos escrever as
primeiras frases como se inventássemos uma gramática a
partir da desmaterialização dos conflitos
acreditemos por uns dias que é possível erguer nas praças a árvore dos significados
em vez do relógio difuso dos interesses
acreditemos por uns dias que é possível desviar as águas dos costumes
e acender o pequeno lume dos encontros
nasceu uma criança e é como se nos nascesse uma ferida no corpo
porque custa olhar o espelho que nos devolve o rosto sem as máscaras
porque custa olhar a
evidência da possibilidade da redenção quando já não acreditamos em nada
a não ser nas taxas de juro e
nas agências de rating
a verdade é que nasceu uma criança
e por alguns dias podíamos acreditar que é possível regressar às
nascentes da água
à página em branco dos livros da infância
ao coração desabitado dos bosques dos milagres