Talvez nunca tivesse sido bem
assim. Talvez nunca tivesse existido uma fronteira
nítida entre as estações do ano, uma linha
rigorosa a separar o inverno
e a primavera, o outono e o verão.
Porque a memória meteorológica é a mais
débil das memórias - pior que a memória
do amor, a memória das mulheres que desejámos
ou julgámos terem-nos amado
verdadeiramente. Mas é isso
que fica da infância: os dias de chuva
sucedendo-se um após o outro,
ponto; as flores imensas nos canteiros dos jardins,
ponto; as folhas dos plátanos nas alamedas,
primeiro amarelas, e depois
vermelhas, e depois castanhas,
ponto; um sol impiedoso a cair a pique
nos lancis das avenidas,
ponto. E assim é que está certo:
que a memória da infância
não seja traída pela estatística
e pelas evidências científicas
das alterações climáticas à escala global.
Mesmo nos dias claros
de dezembro, límpidos, muito azuis,
eu vejo uma ameaçadora nuvem
e recuso-me a não ter frio.