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Alguém acrescenta, a meio da conversa,
que «esse foi o Inverno mais chuvoso de que há memória».
E que no ano anterior quase não tinha chovido
e que «não havia memória de um Inverno tão seco».
Já se vê por que caminhos anda hoje a memória.
As casas parecem não pertencer a um tempo antigo
e parecem não fazer sentido nestes primeiros
anos do século vinte e um. O musgo cresceu
desmesuradamente nas pedras dos muros.
Um jornalista chega ao largo do meio da aldeia
acompanhado por um técnico superior
da câmara municipal. Ainda nesse dia hão levá-lo
a ver o forno comunitário, um moinho de rodízio,
um convento derruído, o polidesportivo,
os freixos do fundo do vale, os aceiros da caça furtiva,
os pinheiros, os vidoeiros erguidos quase
na linha de separação das águas:
pelo fim da tarde, exausto, bebe
Ricard com seven-up na mesa de plástico
duma adega típica recuperada à corte dos recos.
E há qualquer coisa de provisório em tudo isto.
Como se o mundo pudesse não resistir a um fósforo
ou à velocidade no asfalto, a um mail
enviado do outro lado do Atlântico,
a um alvará de loteamento, à etnografia,
às socas com tachas amarelas da menina do rancho,
aos documentos técnicos discutidos em Assembleia
a propósito das prioridades do PIDDAC.