5.
O interesse público vê a fuga aos impostos, ou apenas os cofres públicos quase vazios, com os maus olhos com que é suposto que veja.
O tgv (quer dizer: a expansão marítima) exigia pulso firme na percepção das receitas. Reformaram-se forais, mexeu-se em mordomias antigas de senhores com brasão de granito nas empenas das casas e camas de dossel, apertou-se ao povo um pouco mais o gasganete em nome do interesse público: construíram-se naus, desenhou-se um império.
E as modas pegam. D. Manuel, já no século XVI, recebe um relatório que fala de sítios ermos de areia, na foz do Guadiana e na contígua linha de costa, onde a riqueza invulgar de pescado não acrescenta um ceitil ao erário da Coroa: é a Castela que a apanha do carapau e da sardinha aproveitam. Em 1512 manda el-rei português que junto ao estuário seja edificada uma vila capaz de impor a prática de uma soberania que até então o era apenas de direito. Eis o programa: controlar os ataques corsários e a avidez mourama, inscrever no território as marcas efectivas do poder central, atacar o contrabando, fiscalizar, arrecadar receitas.
É assim que nasce Santo António da Foz do Guadiana por ordem real. Como se os lugares, as vilas, as cidades, se edificassem por decreto contra a geografia das necessidades, dos sonhos e da necessidade deles. Acontece, portanto, que antes ainda dos éditos, antes ainda das cartas de privilégio, já num desenho de Duarte de Armas o lugar é referenciado com topónimo castelhano: Arenilha. Já ali, portanto, antes da decisão real de mandar construir o aglomerado, havia gente a viver em barracas e a dar-lhe um nome. É bem feito.
Mas era a poente, não longe, nos areais abertos à baía de pescado abundante, indiferente às cartas de privilégio ou à outorga de regimentos de alfândega, que o povo começava a juntar-se. Santo António de Arenilha haverá de ficar sem gente, haverá de afundar-se nas águas do rio; e o contrabando haverá de persistir, como haverão de persistir a fuga aos impostos e a imposição dos interesses individuais, de gente livre, contra os interesses do Estado e as correlativas determinações de D. Manuel e de D. João III. E é por isso que neste mês de Outubro de 1773, pelas contas do jovem Leonardo Loppes de Arouca, o número de almas que na praia de Monte Gordo vivem (supondo que a cada indigente corresponde uma alma) ultrapassa os cinco mil.