O grupo de teatro universitário ia pois levar à cena
no centro cultural de Évora a sua primeira peça
que posso já adiantar que não chegou
à estreia. Pela razão simples de que ao encenador
não lhe escapou a pronúncia cerrada do moço
vindo do Barroso e do liceu de Chaves
a estudar arquitectura paisagista no Alentejo
fazia eu de Afonso III. Luís Varela insistia comigo
para que acariciasse Beatriz entre a ternura do velho
bárbaro a fazer festinhas na criança que a princesa ainda
era e a luxúria intervalada de quem sente
já nos seus braços uma mulher que começava
na realidade a sê-lo. Ora eu na parte da luxúria
continha-me ali em público nos ensaios
um cibo. E o Luís então gritava em desespero que
nem parecia ter eu nascido no sítio onde
no século XIII a coisa verdadeiramente se passara
por não serem de hábito assim tão encolhidos
os conterrâneos meus que se soubesse em
se tratando de mandar a uma moça deslumbrante
a ceitoira. E eis como foi necessário o orgulho
ferido e a subsequente lição para ficar a saber
que o Bolonhês em segundas núpcias e em primeiras
a filha do rei Afonso X se casaram nem mais
nem menos que em Santo Estêvão. E assim
se compreenderá também que durante tantos anos
visitasse sempre que podia e hoje
ainda a aldeia que de entre todas do concelho de Chaves
me pertencia e me pertence mais. E quando
regresso é como se regressasse a 1253 e visse
Beatriz de Castilla y Guzman a entrar na capela de
mão dada com este d. Afonso III que quase representei
no Garcia de Resende não fora por mor dos copos uns
e outros pelo honesto estudo terem deixado
uns e outros a mais de meio mas antes da estreia a peça
do Ernesto Leal. Aí fui portanto tantas vezes e vou agora
e sempre a imaginar nas nove ameias do alçado
e na planta rectangular do que resta do castelo
a Beatriz que em Évora demorei a acariciar com luxúria
enquanto o encenador não me puxou pelos brios e eu
não soube que Beatriz e d. Afonso III se casaram afinal
no castelo que é também meu de Santo Estêvão.
publicado originalmente aqui.