Às vezes é preciso não compreender.
Às vezes é preciso deixar as palavras entregues
à interrogação e (por essa via)
ao sobressalto. Às vezes
em vez das páginas dos livros
é preciso deixar que as palavras devolvam
o centro imaterial dos seus obscuros
significados. E deixá-las assim.
Nas aldeias o tempo difere os eventos
como se a cronologia subvertesse
a realidade objectiva
e o futuro e a memória se confundissem
na poeira levantada dos caminhos
que levam aos largos. Eu e tu procuramos
o que julgámos ter ficado suspenso
da árvore incombustível dos pronomes
possessivos. Eu e tu regressamos à procura
do rumor antigo das águas de nascente
a correr nos tanques. E só então nos apercebemos
de como as horas correm
e de como as sebes altíssimas da adolescência
erguidas nos limites da propriedade
nos entregam a cúpula insignificante
do grande vazio das nossas vidas.