terça-feira, dezembro 30, 2008

6.

A racionalidade fascina os telejornais menos que os gráficos da predição da catástrofe. E há uma imagem que nos seduz; que o nosso tempo privilegia: a do paraíso perdido e do sentimento de culpa que nos ficará para sempre agarrado à pele. O sentimento de culpa reverte duma ordem moral: regressamos nele, portanto, a uma menoridade de que o exercício da razão supostamente nos libertara há trezentos anos. O prejuízo (e a desonra) de tutelas assim subordinadas foi há muito descrito por Kant. Mas a ordem moral precisa de símbolos: o espectáculo e a catástrofe possibilitam-nos abundantemente: catástrofes naturais, de preferência, em que o homem se constitua como causa e vítima potencial. É por estas e outras que as previsões climáticas de longo prazo ficaram a cargo dos políticos e dos ambientalistas (que o arauto do aquecimento global seja um político, e não um cientista, deveria dar-nos que pensar): os meteorologistas são sisudos e a ponderação de que usam é desconforme à velocidade e à vertigem do nosso tempo.