quinta-feira, dezembro 04, 2008

6.

Dois dias depois, quando regressávamos, quando chegávamos à linha de festo, parámos e olhámos mais uma vez a curva do rio, a casa encaixada no limite da plataforma que subia a encosta, a tília erguida no pátio, os pinheiros bravos, os salgueiros com o verde ténue das suas folhas, os troncos brancos dos vidoeiros, os musgos dos ramos dos carvalhos, o azul e o amarelo e o vermelho e o castanho e outra vez o verde escuro da serra. E o que víamos era uma construção humana; feita do riso, da tragédia, da tristeza, do sonho. Leonardo olhava o fim de tarde, a luz de Junho a estender as suas sombras nas cumeadas sucessivas, como se a paisagem e os desenhos dos seus blocos de papel cavalinho se misturassem. Eu dividia-me perante a imagem dos milagres. E, de súbito, pela primeira vez, de um modo inexplicável, sentia-me ali um intruso: a olhar as árvores distantes, a olhar o ondulado dos montes reflectido no espelho invertido das águas do rio.