quinta-feira, setembro 11, 2008

8.

Luísa entrou pela porta do balcão e saiu de novo, apressada, ausente, num mesmo e quase imperceptível movimento. João ficou a olhá-la, e depois a olhar o espaço vazio como se a presença de Luísa ainda o enchesse de tudo o que a sua memória recordava desse corpo. E assim ficou ainda durante algum tempo; até regressar ao silêncio a que os quatro homens sentados na mesa do canto se haviam remetido. E então virou-se desajeitadamente, disse «boa tarde», esboçou um sorriso que percebeu ter-lhe saído frio e dissimulado. Uma luz baça entrava pelo vidro da janela rasgada ao nascente. Lá fora não havia uma aragem, não se ouvia o rumor das folhas das árvores ou dos seus ramos suspensos e recortados contra a encosta; um estranho remanso invadia as ruas, o largo, poisava nos telhados das casas. Como se o mundo estivesse a começar; ou como se começasse a fechar-se, vagarosamente, sobre si mesmo. João Pequeno continuava de pé e sentia-se estrangeiro do mundo que lhe era devolvido em irrealidade e abstracção. E então, sem que a memória de um tempo antigo vibrasse em si verdadeiramente, reconheceu Fernando Lalice. E também o velho amigo o olhou e o reconheceu sem surpresa nem sobressalto; e apenas se ergueu em cortesia e o convidou a sentar-se. «Ora então de regresso, João?». Que sim. Mas João Pequeno pressentia já que o mundo se começava a fechar sobre si mesmo, descendo as suas sombras sobre as ruas e as casas, sobre as árvores e o largo, sobre os rostos irreais dos companheiros de mesa.