A minha avó explicava no seu jeito
simples: "é que assim ao menos não davam cabo
de tudo ao mesmo tempo". Por isso as raparigas
diziam antigamente ao deitar as flores sobre
os recém-casados (e mais tarde o arroz, escolhido
por ao cozer aumentar tanto a porção inicial
que sobre quase todas as
restantes coisas podia simbolizar
a abastança): "eu deito flores para vos abençoar
[ou arroz, na versão tardia],
e deito e torno a deitar,
e que seja a mulher em casa
sempre a governar". Que eles era mais boa-vai-ela
e lances arrojados: matarem um javali
com zagalotes ou desaparecerem para os brasis
ou as franças a ganharem o sustento
da família e já-gora a verem o mundo. Ou passarem
manhãs e tardes de domingo inteiras
na bêbeda com o pretexto do malhão
ou do jogo do fito. E eram elas sempre
que tratavam da casa.
Aí, em o marido não metendo
excessivamente a colher, sempre era certo
haver uma toalha de linho em cima da mesa
ou na corte um animal que se vendesse
gordo em véspera de dias diferenciados.
E tratavam da horta com aquele modo
prosaico de desejarem apenas
que os frutos ou os legumes crescessem
enquanto eles nas feiras faziam
mirabolantes negócios que se não metessem gajedo
metiam vacas e espingardas ou uma 6.35
de defesa pessoal antes de rumarem
a uma taberna a encharcarem-se
com o pretexto de selarem negócios. Que ao menos lhes
fosse dado a elas tratarem da casa: que assim
ficava garantido esse governo
enquanto os homens faziam apostas de vararem
a tiro as tábuas de madeira ou os sinais de trânsito
ou subiam em padiola a escada
de pedra que levava da adega
aos aposentos de dormir
às quatro da manhã. Eles
mandavam nas mulheres e no mundo
e as mulheres deixavam que eles
mandassem nelas e no mundo
desde que na casa não tomassem conta de nada
para não darem cabo de tudo
ao mesmo tempo. Por isso as amigas
não desejavam mais à noiva
no dia do casamento
do que Deus permitir que em casa
fosse a mulher a governar
enquanto os homens andassem no destino deles
de serem felizes e conquistarem o universo
e foderem tudo.