Eles diziam «as intempéries» e a ondulação
recomeçava na água dos tanques.
terça-feira, julho 28, 2009
[A indiferença]
Talvez nunca venhas a saber que palavras
ou silêncios se escondem
por detrás desse rosto
fechado
enquanto a crueldade da noite fica poisada lá fora
no pavimento
das esplanadas
do inverno.
Os risos e as vozes misturam-se
nas mesas
como se a alegria pudesse regressar
de uma outra noite
iluminada. E só tu
não sabes
se a indiferença
é ou não é
uma das cartas
do jogo.
ou silêncios se escondem
por detrás desse rosto
fechado
enquanto a crueldade da noite fica poisada lá fora
no pavimento
das esplanadas
do inverno.
Os risos e as vozes misturam-se
nas mesas
como se a alegria pudesse regressar
de uma outra noite
iluminada. E só tu
não sabes
se a indiferença
é ou não é
uma das cartas
do jogo.
sexta-feira, julho 24, 2009
[Quase um programa para o Verão de 2009]
Boicotaram
a estação de socorros
a náufragos
desenharam no areal
a fronteira
que os separava do mundo
entraram nas águas
com a
ondulação do levante
podiam enfim
afogar-se
juntos
a estação de socorros
a náufragos
desenharam no areal
a fronteira
que os separava do mundo
entraram nas águas
com a
ondulação do levante
podiam enfim
afogar-se
juntos
quarta-feira, julho 22, 2009
Outro poema
Outro poema de Miguel Godinho:
*
Às vezes esqueço-me de onde estou
um pinhal em chamas e eu no centro
de isqueiro na mão
terça-feira, julho 21, 2009
Os Nossos Dias
A editora 4Águas continua o seu trabalho notável na edição de poesia. É uma editora a Sul, atenta, criteriosa, misturando valores consagrados ao que merece consagrar-se. Depois de «ainda aqui este lugar», de Pedro Afonso; «Doze Poemas de Saudade», de Fernando Cabrita; «Os Animais da Cabeça», de Rui Dias Simão, e «69 Poemas de Amor», de Casimiro de Brito -- acaba de anunciar um novo título: «Os Nossos Dias seguido de Os Lugares Antigos», da autoria de Miguel Godinho. Em breve nas livrarias. A merecer a nossa atenção. Porque Miguel Godinho escreve assim:
*
Quase nunca o mundo é um mundo melhor joaquim
quase sempre nos deparamos com a arrogância
gente grande aos olhos deles próprios
dancemos loucos na procura de um Deus maior
na procura de uma verdade evidente
dessas que custam pouco a imaginar
o mundo é a ignorância do amanhã
é a vontade de nos escondermos joaquim
nada mais para além disso
*
Quase nunca o mundo é um mundo melhor joaquim
quase sempre nos deparamos com a arrogância
gente grande aos olhos deles próprios
dancemos loucos na procura de um Deus maior
na procura de uma verdade evidente
dessas que custam pouco a imaginar
o mundo é a ignorância do amanhã
é a vontade de nos escondermos joaquim
nada mais para além disso
segunda-feira, julho 20, 2009
quinta-feira, julho 16, 2009
[A locomoção]
Ele dizia «eu movo-me
de ver crescer o trigo
na umbria». Porque há um momento
em que a heresia e a coragem se confundem
e a baixa densidade dos núcleos
remove
por intuição
a desmesura
das memórias
descritivas
dos interesses. Ele desenhava a cidade
a graffiti. Ele fazia as plantas
e os alçados
dos contentores das obras de restauro
e projectava os jardins
nas periferias
contra a cartografia dos planos
recentes. Ele dizia
«eu sou movido pela dissolução da água»
como se a locomoção
fosse uma questão
de regime.
de ver crescer o trigo
na umbria». Porque há um momento
em que a heresia e a coragem se confundem
e a baixa densidade dos núcleos
remove
por intuição
a desmesura
das memórias
descritivas
dos interesses. Ele desenhava a cidade
a graffiti. Ele fazia as plantas
e os alçados
dos contentores das obras de restauro
e projectava os jardins
nas periferias
contra a cartografia dos planos
recentes. Ele dizia
«eu sou movido pela dissolução da água»
como se a locomoção
fosse uma questão
de regime.
terça-feira, julho 14, 2009
[Um poema antigo]
Repetir os nomes das árvores:
olaia, bétula, negrilho, alfarrobeira;
a cerejeira do fundo dos muros e os admiráveis
brincos da infância; o carvalho negral
e as folhas ténues trazendo às colinas
os primeiros meses de Abril.
Dizer em voz alta os nomes
dos lugares onde parece
que o mundo se suspendeu
para que pudéssemos regressar
à água e ao lume, à terra
e ao éter e à varanda incandescente
das tardes de Verão: Gardunho
e Segirei, Cacela, Voluntário, Vilarinho
Seco. Roubar à caligrafia
os nomes da manhã acabada de nascer:
nuvem onde poisamos as mãos.
olaia, bétula, negrilho, alfarrobeira;
a cerejeira do fundo dos muros e os admiráveis
brincos da infância; o carvalho negral
e as folhas ténues trazendo às colinas
os primeiros meses de Abril.
Dizer em voz alta os nomes
dos lugares onde parece
que o mundo se suspendeu
para que pudéssemos regressar
à água e ao lume, à terra
e ao éter e à varanda incandescente
das tardes de Verão: Gardunho
e Segirei, Cacela, Voluntário, Vilarinho
Seco. Roubar à caligrafia
os nomes da manhã acabada de nascer:
nuvem onde poisamos as mãos.
segunda-feira, julho 13, 2009
[Em vez dos bastidores]
Em vez dos panos nos bastidores: a narrativa –
a linha descontínua de estrelas incineradas
com a língua
autóctone
a servir de espelho à água: a libertar-se
da âncora genealógica
pela destruição do livro
dos exemplos. E da meteorologia
o que retinham
era antes dos ciclones
a minúscula nuvem deslaçada do vento: até ao alicerce
e à raiz e à álgebra. E então aprendiam a ler
e a mover no ábaco
as doze contas
errando propositadamente
as sílabas antigas
todas.
a linha descontínua de estrelas incineradas
com a língua
autóctone
a servir de espelho à água: a libertar-se
da âncora genealógica
pela destruição do livro
dos exemplos. E da meteorologia
o que retinham
era antes dos ciclones
a minúscula nuvem deslaçada do vento: até ao alicerce
e à raiz e à álgebra. E então aprendiam a ler
e a mover no ábaco
as doze contas
errando propositadamente
as sílabas antigas
todas.
domingo, julho 12, 2009
sexta-feira, julho 10, 2009
O livro, ainda
Excertos. E ecos do que vai acontecendo em redor do romance «O Prazer e o Tédio» -- que aqui mesmo, neste blogue, correu entre 3 de Fevereiro de 2008 e 3 de Janeiro de 2009.
quinta-feira, julho 09, 2009
[As mãos]
O temor
de que fosse pecado
a exaltação:
isso as levava a afastarem
da boca dos fornos
o ferro
e o alumínio. E recuavam
deixando na pedra
os aventais azuis
para que a massa resplandecesse
na divisória
incandescente
à rarefacção do ar.
E ouvia-se ao
longe o rumor contínuo do tempo. As mãos
a procurar ainda –
a esconder ainda:
o lareiro das fornalhas, a levedação,
os milagres.
de que fosse pecado
a exaltação:
isso as levava a afastarem
da boca dos fornos
o ferro
e o alumínio. E recuavam
deixando na pedra
os aventais azuis
para que a massa resplandecesse
na divisória
incandescente
à rarefacção do ar.
E ouvia-se ao
longe o rumor contínuo do tempo. As mãos
a procurar ainda –
a esconder ainda:
o lareiro das fornalhas, a levedação,
os milagres.
terça-feira, julho 07, 2009
[Nos pátios]
Eu quero para sempre a fasquia dos incêndios
de mil novecentos
e oitenta e seis. As tábuas da cancela
de vilarinho seco
esculpidas
a navalha. A memória
dessa noite em que
juraste pelo vento
dos meses
de novembro. A faca a desenhar
um coração
no chão de cimento
dos terraços. As águas
de nascente
de valdarada. A primeira nuvem
a entrar
na órbita
dos meteoros. O fogo
das lareiras
a aquecer as vasilhas
de ferro. O momento em que as mães
correm à janela
se a poeira se levanta
nos pátios.
de mil novecentos
e oitenta e seis. As tábuas da cancela
de vilarinho seco
esculpidas
a navalha. A memória
dessa noite em que
juraste pelo vento
dos meses
de novembro. A faca a desenhar
um coração
no chão de cimento
dos terraços. As águas
de nascente
de valdarada. A primeira nuvem
a entrar
na órbita
dos meteoros. O fogo
das lareiras
a aquecer as vasilhas
de ferro. O momento em que as mães
correm à janela
se a poeira se levanta
nos pátios.
segunda-feira, julho 06, 2009
sexta-feira, julho 03, 2009
quinta-feira, julho 02, 2009
[M. R.]
DUAS CRIANÇAS
Duas crianças olham o mar.
Como se o mundo
estivesse a começar.
UMA ONDA
Uma onda e depois outra:
o mundo é feito
de repetições.
O SILÊNCIO
O silêncio inúmero da tarde
quebrado pelo rumor
de um búzio.
MARÉS
As tuas pálpebras subindo
e descendo: marés
do equinócio.
Duas crianças olham o mar.
Como se o mundo
estivesse a começar.
UMA ONDA
Uma onda e depois outra:
o mundo é feito
de repetições.
O SILÊNCIO
O silêncio inúmero da tarde
quebrado pelo rumor
de um búzio.
MARÉS
As tuas pálpebras subindo
e descendo: marés
do equinócio.
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