terça-feira, março 31, 2009

[Modalidades olímpicas. 3: Fosso olímpico]

Por ti
eu parto
a loiça toda.

[Modalidades olímpicas. 2: Lançamento do peso]

Assim como tu
às leis da gravidade
não estivesse

sujeita
a esfera
arremessada.

segunda-feira, março 30, 2009

[Modalidades olímpicas. 1: Triplo salto]

A ti, pelo salto
de gazela
te conheço.

quinta-feira, março 26, 2009

[Metade de metade]

Metade de metade
do que te dou
é mais do que tenho.

[A pedra dos vocábulos]

A pedra dos vocábulos
repercutia
nas páginas dos livros.

[Ao jogo]

Só vou ao jogo
se me deixares
perder.

[A música]

Nas folhas dos salgueiros
a música é anterior
ao vento.

quarta-feira, março 25, 2009

[No deserto]

A memória
da tua pele
é que me matava

no deserto
e não
a falta de água.

[Exemplos. 4: A necrópole dos três Reis]

É como se a geometria e a proporção 
revertessem da ética e a eternidade obrigasse
a essa exigência tão próxima da música 
e da álgebra. Uma íntima cartografia tumular
ficou inscrita nos livros guardados 
para que ao público se expusesse apenas 
o remanescente dos corredores e das salas 
dos palácios onde a vida verdadeiramente 
se viveu: nos jardins encostados a paredes de taipa, 
nos azulejos minúsculos das tumbas
sem a gravação dos nomes ou o retrato
dos rostos que um dia foram a matéria sujeita
à infâmia contingente de que todos 
indistintamente somos feitos.

quinta-feira, março 19, 2009

[Exemplos. 3: Metáfora do labirinto das águas]

Perdido num outro e maior labirinto
olhas os canais de rega 
como se também a tua vida 
pudesse inscrever-se nos códigos 
de aviação da água: como se também 
os teus medos pudessem 
quebrar-se assim de um só golpe
oblíquo da lâmina nos torrões
aluviais: como se a tempestade fosse
riscada ao inventário dos terrenos
de herdeiros. O território e os gestos 
confundem-se para que os canais 
de rega e as sementes do trigo dividam
a luz abundante dos labirintos.

terça-feira, março 17, 2009

[Exemplos. 2: A Casa do Muro]

O tempo desloca os lugares 
e rouba-lhes sentido. Aqui havia uma 
varanda e os açudes reflectiam
no seu espelho as cerejeiras 
em flor das fotografias japonesas 
das caixas de costura. E havia maçãs. E 
o velho do Largo numa noite muito quente
de julho mostrou-nos de memória
como era nos anos trinta o rio
de janeiro a desenhar no chão
do pátio uma nuvem de luz evaporada.
Hoje regressamos em silêncio: olhamos
a noite e tememos saber que nomes
nos devolve ou temos para lhe dar.

jcb


segunda-feira, março 16, 2009

[Exemplos. 1: Aquele que ficou]

Em sua casa os panos sobre
as mesas faziam duvidar que a flor
azul ou a bagarela fossem as mesmas
dos outros ou igual a medida
dos nove dias na água ou das nove
noites e nove manhãs do linho a
secar. Diversas de todas as restantes
haveriam de ser ainda as varas de
salgueiro entrançadas nos seus perfeitos
cestos vindimos com o conjunto das pontas
atadas. E sem precisar de terras
centieiras como nenhum assim crescia
o cereal do inverno que semeava em cavadas
de pedra desmontada e pouco chão.
jcb

domingo, março 15, 2009

[Para acabar esta série]

O mar trazia de longe as anémonas
da infância a literatura
traz as anémonas
de onde quisermos.

sábado, março 14, 2009

[Outro]

Assim também eu pintava
parece-me que tudo se resumia a três faixas
horizontais de cores primárias sobre tela 
e um título a verdade

é que o inverno nunca mais acaba.
Tem chovido que só visto
as alterações climáticas a deflação
é uma consequência da crise dos mercados

financeiros. Não vislumbro um critério 
objectivo nunca mais hei-de esquecer a recensão 
em que a propósito de um 
quadro abstracto se escrevia 

na sua génese a guerra civil nos estados 
unidos o estado de israel. Se visses 
o preço que a obra atingiu em leilão 
as baixas pressões são responsáveis 

por esta instabilidade. Tudo depende 
da resposta do gerente do banco 
o crédito não é como antes
apetecia-me tanto abrir uma galeria de arte.

[E agora, finalmente, um Poema a sério]

Vínhamos de longe e depois
é mentira que os caminhos de terra batida
levassem às cidades das palavras
a criança corria desamparada

nas fasquias dos andaimes
das obras. Juro que é verdade
nenhum de nós tinha roubado os candeeiros de
querosene nos faróis da fronteira 

em outubro de mil novecentos
e oitenta e seis a chuva
fez sair os rios das margens.
E foi então que regressaste e começaste

por dizer a literatura é uma convenção
eu posso alinhar as frases sem a preocupação
do sentido. A própria sintaxe
pode ser subvertida se soubesses

como me custou o desmoronamento
das barreiras de saibro. Só
te peço que se chegares tarde não
me telefones a avisar.

sexta-feira, março 13, 2009

[Repetir as imagens: pátio, infância]

A água de nascente não é apenas a metáfora
do dia inicial ou das tardes imensas de domingo
em que a infância corria nos pátios 
e nas varandas como se os rios e a aluvião 

só então começassem a desenhar-se 
nos mapas. Mas é quanto basta para efeitos 
do poema e nem chega a ser relevante 
a questão do grau de pureza da água.

[De tudo o que perdeste]

De tudo o que perdeste é apenas
a memória da luz de julho 
adormecida nos pátios da infância
o que não te deixa adormecer.

[Ainda o exílio]

Ajoelham-te para a humilhação de reconheceres 
a soberania do príncipe que mudou 
as linhas de fronteira dos teus domínios 
anteriores: o trono elevado num estrado 

e os vassalos em duas alas a olhar-te 
como se a vergonha não tivesse pátria. A ironia 
é que conheces cada um deles e houve um tempo 
em que todos te juraram fidelidade e protecção.

[O inimigo]

O inimigo levou-o a ver as adagas 
e as lanças expostas na praça: o espólio 
dos desastres. Mas nada 
lhe custou no exílio tanto como saber 

que alguns dos que lhe estendiam alecrim 
no chão dos caminhos agora juravam
nunca o alecrim ter
crescido nos seus jardins de aromáticas.

quinta-feira, março 12, 2009

[Ainda a propósito das catedrais]

Ele falava da palavra e do símbolo e de coisas
grandes como a abstracção e o pensamento.
E no entanto é com pedras e com o trabalho das mãos
que se ergue a casa e se constrói o templo.

[Os livros]

O rumor da ondulação parece vir de um tempo
anterior ao próprio movimento das águas. É antes 
da tempestade que a nuvem do silêncio
rebenta por dentro das páginas dos livros.

[As catedrais]

Sobre todas as pedras e sobre todos os andaimes
e sobre todos os guindastes e roldanas hidráulicas
o que vale é uma palavra ou um símbolo.

quarta-feira, março 11, 2009

[As florestas]

É um pleonasmo dizer que alguém se perde nas florestas.
As florestas foram feitas para essa arte de nos perdermos do mundo
e nos encontrarmos depois do outro lado do mundo
por entre os troncos erguidos das árvores das florestas.

[«Um daqueles caderninhos»]

Uma vez perdi o meu caderno de andar
preocupado e ocupado com a lírica. E passei
a andar preocupado
de ter perdido o caderno
e ocupado a ver se o encontrava.

[«Rumor branco»]

De um ao outro lado do bosque de bétulas
há uma árvore a cuja sombra
nunca adormeceste.

terça-feira, março 10, 2009

[A pesca à linha]

Tão vasto
é o mundo: com suas penínsulas e arquipélagos,
com as suas florestas de caducifólias, com os seus rios
a correr em meandros erosionados
pelo tempo. Tão vasto
é o mundo: entre constelações
e nebulosas, meteoritos, órbitas
planetárias, cinturas
de asteróides.

E tu, olhando a meio da tarde a ondulação
favorável do levante, perguntas-me
a hora da maré.

[Limites]

Nós, que continuamos a discutir
os limites do universo, acreditamos
na infinitude do número de grãos
de areia das praias.

sexta-feira, março 06, 2009

[Ponto de situação]

O texto que correu aqui entre 3 de Fevereiro de 2008 e 3 de Janeiro de 2009, sob três diferentes títulos, vai ser publicado em livro. Não estava à espera disso. Mas são assim os acasos do mundo. Houve, portanto, que fazer umas correcções - e, sobretudo, dar-lhe a coerência genealógica que não tinha. E, assim, perder o pouco tempo que não tenho - e quase ninguém, hoje por hoje, tem. Está, espero, explicada a ausência. 

Por outras razões que não vêm ao caso, não se prosseguirá aqui com o novo folhetim - de que, de qualquer modo, em devido tempo se dará conta. O blog, pois, prosseguirá como em determinado tempo corria - com poemas de circunstância, fotografias e desenhos. 

Quanto à edição do folhetim - também disso se dará conta: será na Oficina do Livro. E, eu sei, há oito leitores desta página que ficarão contentes de saber como será.

Quanto aos outros (e a todos) - cá nos continuaremos a ir vendo.