terça-feira, janeiro 29, 2008
Plantar uma árvore
Plantar uma árvore. E procurar sempre um alinhamento, um enquadramento, uma regra, um eixo de simetria, uma proporção. Aqui não há lugar a geometrias variáveis.
O Inverno
Nenhuma outra árvore representa assim o Inverno. Os ramos erguidos das figueiras, nus, sem uma única folha, disponíveis para a sombra e a luz volátil do fim da tarde. Essa luz poisada nos troncos e nos ramos e que chega a poder tocar-se com as mãos. O Inverno assim adormecido numa árvore como se o Tempo ficasse suspenso dos seus próprios nomes.
segunda-feira, janeiro 28, 2008
Futebol (quer dizer...)
O que significa uma vitória: três pontos? Não: a possibilidade de enviar mensagens aos amigos, pagar um copo, falar alto nos restaurantes onde se pode fumar. O Porto poderia ter ganho? Sim. Se os deuses assim o desejassem.
sábado, janeiro 26, 2008
O que separa
É uma membrana tão fina
a que separa o balcão da taberna
e as asas do anjo, a traição
e a fidelidade à água das nascentes,
o travertino e o reboco. Subias aos terraços
a olhar o levante
e nenhuma sílaba delimitava
o lume e a nuvem,
os destinos dos marinheiros
e os náufragos
dos romances.
a que separa o balcão da taberna
e as asas do anjo, a traição
e a fidelidade à água das nascentes,
o travertino e o reboco. Subias aos terraços
a olhar o levante
e nenhuma sílaba delimitava
o lume e a nuvem,
os destinos dos marinheiros
e os náufragos
dos romances.
sexta-feira, janeiro 25, 2008
[Um poema totó a propósito das rimas]
O teu rosto ou uma pérola,
um verso ou nem uma sílaba:
pode faltar quase tudo
e tudo ser quase nada.
Quase nada ou muito pouco:
os botões do teu vestido,
um grão de areia, o deserto,
uma ânfora vazia.
Pode faltar quase tudo,
quase tudo ser tão pouco:
o teu rosto ou uma pérola,
um verso ou nem uma sílaba.
um verso ou nem uma sílaba:
pode faltar quase tudo
e tudo ser quase nada.
Quase nada ou muito pouco:
os botões do teu vestido,
um grão de areia, o deserto,
uma ânfora vazia.
Pode faltar quase tudo,
quase tudo ser tão pouco:
o teu rosto ou uma pérola,
um verso ou nem uma sílaba.
domingo, janeiro 20, 2008
Uma metáfora
Pensava que não havia pérolas
verdadeiras.
Que a pérola
era uma metáfora
do amor.
Do mesmo modo
que o amor
era uma metáfora
do fogo.
verdadeiras.
Que a pérola
era uma metáfora
do amor.
Do mesmo modo
que o amor
era uma metáfora
do fogo.
Tempos Modernos
Se pudesse pedir alguma coisa era que os electrodomésticos não viessem com tantas funções.
terça-feira, janeiro 15, 2008
quinta-feira, janeiro 10, 2008
Em vez das bandeiras
Poderás então dizer
tudo me pertence: a luz
de junho poisada nos taludes
ou nas folhas minúsculas
das cerejeiras bravas, o mapa
das efémeras migrações
dos nomes, os territórios desenhados
nos cadernos de duas linhas
logo depois sujeitos
à voragem dos incêndios.
Não havia fronteiras:
em vez das bandeiras
espetavas na terra lavrada
as varas de lódão.
tudo me pertence: a luz
de junho poisada nos taludes
ou nas folhas minúsculas
das cerejeiras bravas, o mapa
das efémeras migrações
dos nomes, os territórios desenhados
nos cadernos de duas linhas
logo depois sujeitos
à voragem dos incêndios.
Não havia fronteiras:
em vez das bandeiras
espetavas na terra lavrada
as varas de lódão.
quarta-feira, janeiro 02, 2008
O Livro para 2008
Aquilino Ribeiro, na sua versão do Quixote (ed. Bertrand Editora), ambiciona bem mais que corrigir «entorses», «insuficiências», «inexactidões» de traduções anteriores para português. Mais que ultrapassar esse «breve dano», Aquilino propõe-se corrigir a falta de respeito pelo «carácter da elocução da obra». É obra.
Não surpreenderá, assim, que o «rocín flaco» do fidalgo passe, na sua versão, a «pileca à manjedoira»: Aquilino, ao justificar a empreitada da tradução do Quixote (versão mais que tradução) não deixa de invocar a sua «equipagem de escritor»…
Na versão de Aquilino, pois, dificilmente suporíamos que poderia sobreviver uma tradução literal do famoso «de cuyo nombre no quiero acordar-me» - que passará a «o nome amanhã o direi» e que, curiosamente, a paráfrase de Saramago haverá mais tarde de recuperar na Jangada de Pedra ao falar de um lugar de Portugal «de cujo nome nos lembraremos mais tarde».
José Bento, por seu lado (ed. Relógio d’ Água), traduz «de cuyo nombre no quiero acordar-me» por «de cujo nome não me lembro». E defende-se, em rodapé, informando que «querer» é aqui um verbo auxiliar, não se justificando mantê-lo em português. Mas acrescidamente se defenderá na Nota à edição, ao explicar que pretendeu servir o original cingindo-se muito «à sua letra» – seguindo, de resto, o conselho do amigo de Cervantes inscrito no Prólogo da primeira parte: escrever «dando a entender vuestros conceptos sin intricarlos e escurecerlos». Estaria José Bento a pensar nos malefícios da assumida «equipagem de escritor» de Aquilino?…
Claro que o fascínio da abertura do Quixote vem da referência a um vago «lugar» de cujo nome o autor não quer recordar-se. E isso não permite simplificações nem contrapontos.
Além de Miguel Serras Pereira, também os Viscondes de Castilho e Azevedo são fiéis a esse «de cujo nome não quero lembrar-me»; João Bento fica-se pelo «de cujo nome não me lembro»; Aquilino, defendido com a sua «equipagem de escritor», prefere o fascinante e insinuante «o nome amanhã o direi».
Seja como for: a quem se dispuser à leitura do Quixote em português aconselharia sempre a tradução de Miguel Serras Pereira (ed. D. Quixote). Que começa assim: «Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, não há muito tempo vivia um fidalgo desses de lança no cabide, adarga antiga, rocim magro e galgo corredor.»
Não surpreenderá, assim, que o «rocín flaco» do fidalgo passe, na sua versão, a «pileca à manjedoira»: Aquilino, ao justificar a empreitada da tradução do Quixote (versão mais que tradução) não deixa de invocar a sua «equipagem de escritor»…
Na versão de Aquilino, pois, dificilmente suporíamos que poderia sobreviver uma tradução literal do famoso «de cuyo nombre no quiero acordar-me» - que passará a «o nome amanhã o direi» e que, curiosamente, a paráfrase de Saramago haverá mais tarde de recuperar na Jangada de Pedra ao falar de um lugar de Portugal «de cujo nome nos lembraremos mais tarde».
José Bento, por seu lado (ed. Relógio d’ Água), traduz «de cuyo nombre no quiero acordar-me» por «de cujo nome não me lembro». E defende-se, em rodapé, informando que «querer» é aqui um verbo auxiliar, não se justificando mantê-lo em português. Mas acrescidamente se defenderá na Nota à edição, ao explicar que pretendeu servir o original cingindo-se muito «à sua letra» – seguindo, de resto, o conselho do amigo de Cervantes inscrito no Prólogo da primeira parte: escrever «dando a entender vuestros conceptos sin intricarlos e escurecerlos». Estaria José Bento a pensar nos malefícios da assumida «equipagem de escritor» de Aquilino?…
Claro que o fascínio da abertura do Quixote vem da referência a um vago «lugar» de cujo nome o autor não quer recordar-se. E isso não permite simplificações nem contrapontos.
Além de Miguel Serras Pereira, também os Viscondes de Castilho e Azevedo são fiéis a esse «de cujo nome não quero lembrar-me»; João Bento fica-se pelo «de cujo nome não me lembro»; Aquilino, defendido com a sua «equipagem de escritor», prefere o fascinante e insinuante «o nome amanhã o direi».
Seja como for: a quem se dispuser à leitura do Quixote em português aconselharia sempre a tradução de Miguel Serras Pereira (ed. D. Quixote). Que começa assim: «Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, não há muito tempo vivia um fidalgo desses de lança no cabide, adarga antiga, rocim magro e galgo corredor.»
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