segunda-feira, outubro 31, 2005
Outubro, 4
São assim os dias em Outubro: como se a maré, esse rumor incessante, movesse a custo as suas pás vagarosas.
segunda-feira, outubro 24, 2005
Outubro
É bem verdade que os parques infantis foram inventados pelos adultos sem o aplauso entusiasmado das crianças. Elas escorregam nos escorregas, balançam nos baloiços, saltam nas caixas de areia regulamentares. Sim. Mas se não puderem correr num prado, jogar à bola num descampado, brincar aos detectives nas ruas da cidade, perderem-se num bosque, chapinhar nas poças que ficam no chão de saibro a reflectir o céu depois das primeiras chuvas de Outubro.
quinta-feira, outubro 20, 2005
A justiça
Pensávamos talvez que o mundo
haveria de ficar sempre
a nosso favor. Não suspeitávamos que a justiça
depende pouco de a procurarmos
ou mesmo fazermos por ela. Hoje
nem sabemos de que lado
a luz da manhã começava a iluminar
o telheiro. E no entanto
acreditamos que há um instante,
um gesto, uma palavra
onde se inscreve
a verdadeira medida do logro.
haveria de ficar sempre
a nosso favor. Não suspeitávamos que a justiça
depende pouco de a procurarmos
ou mesmo fazermos por ela. Hoje
nem sabemos de que lado
a luz da manhã começava a iluminar
o telheiro. E no entanto
acreditamos que há um instante,
um gesto, uma palavra
onde se inscreve
a verdadeira medida do logro.
Lá fora
Recordas a lâmpada de 25 W
e como era pouca a luz nessa divisão
de vários nomes: lá fora o Inverno,
ainda assim, não chegava a tocar-te
nem a sombra te sobressaltava por um instante
que fosse. O que mudou
por dentro dessas paredes
agora vazias? O que mudou que
não cabemos lá dentro?
e como era pouca a luz nessa divisão
de vários nomes: lá fora o Inverno,
ainda assim, não chegava a tocar-te
nem a sombra te sobressaltava por um instante
que fosse. O que mudou
por dentro dessas paredes
agora vazias? O que mudou que
não cabemos lá dentro?
quarta-feira, outubro 19, 2005
segunda-feira, outubro 17, 2005
As sombras
Aí estão as sombras do Outono: inclinadas, indecisas, quase adormecidas sobre a terra castanha. Sim, é verdade, às vezes parece que as argilas da aluvião vieram de longe, com a água, apenas para que uma árvore pudesse crescer e estender as suas sombras vagarosas nos meses de Outubro.
sábado, outubro 15, 2005
Contra o Inverno
Pessoas que nunca andaram à chuva. Fugindo quando chove. Recolhendo-se . Ou movimentando-se, entre um e outro refúgio, de guarda-chuva em riste.
Quando chove
Quando chove, e a água alimenta os freáticos, é como se as nuvens e o seu abismo se tocassem.
sexta-feira, outubro 14, 2005
Três histórias
não conheço esta cidade
Não conheço esta cidade. Não sei o nome desta cidade. Sei que é de noite e que desço a mesma rua há duas ou três horas. A rua parece não ter fim. Mas a verdade é que já passei várias vezes pela mesma casa, pela mesma montra de um restaurante vazio, pela mesma escultura equestre. Como se a rua não acabasse pela simples razão de que começa de novo à medida que a percorro. Não sei o que faço aqui. Sei apenas que é de noite e que esta cidade não tem nome.
numa cidade sem nome
Numa cidade sem nome, numa cidade que provavelmente não existe, tu apareces de súbito e pedes-me lume. Não dás sinais de me reconhecer. É como se nunca me tivesses conhecido. Acendes o cigarro, agradeces-me, afastas-te, fico a olhar-te por algum tempo. Eu próprio chego a duvidar que um dia nos tivéssemos conhecido, e amado, e chorado juntos, e tivéssemos prometido um ao outro: «um dia haveremos de nos encontrar por aí». Só não poderia imaginar que fosse assim que nos encontrássemos, numa cidade desconhecida, sem nome, e que apenas me pedisses lume.
parece-me que já passaram vários dias
Parece-me que já passaram vários dias e é sempre de noite. Estou numa cidade desconhecida e caminho numa rua que não tem fim. As pessoas que se cruzam comigo parecem fantasmas perdidos na escuridão. Não se ouve um único ruído para além do eco dos passos cadenciados de alguém que continua atrás de mim desde que cheguei, sem saber como, a esta cidade. De vez em quando páro, e o ruído dos passos da pessoa que me persegue deixam de se ouvir na noite muito escura. Viro-me; olho o seu rosto: e é o meu rosto que vejo no rosto de quem me persegue, olhando-me nos olhos, de frente, como se houvesse uma pergunta que ficou por fazer.
Não conheço esta cidade. Não sei o nome desta cidade. Sei que é de noite e que desço a mesma rua há duas ou três horas. A rua parece não ter fim. Mas a verdade é que já passei várias vezes pela mesma casa, pela mesma montra de um restaurante vazio, pela mesma escultura equestre. Como se a rua não acabasse pela simples razão de que começa de novo à medida que a percorro. Não sei o que faço aqui. Sei apenas que é de noite e que esta cidade não tem nome.
numa cidade sem nome
Numa cidade sem nome, numa cidade que provavelmente não existe, tu apareces de súbito e pedes-me lume. Não dás sinais de me reconhecer. É como se nunca me tivesses conhecido. Acendes o cigarro, agradeces-me, afastas-te, fico a olhar-te por algum tempo. Eu próprio chego a duvidar que um dia nos tivéssemos conhecido, e amado, e chorado juntos, e tivéssemos prometido um ao outro: «um dia haveremos de nos encontrar por aí». Só não poderia imaginar que fosse assim que nos encontrássemos, numa cidade desconhecida, sem nome, e que apenas me pedisses lume.
parece-me que já passaram vários dias
Parece-me que já passaram vários dias e é sempre de noite. Estou numa cidade desconhecida e caminho numa rua que não tem fim. As pessoas que se cruzam comigo parecem fantasmas perdidos na escuridão. Não se ouve um único ruído para além do eco dos passos cadenciados de alguém que continua atrás de mim desde que cheguei, sem saber como, a esta cidade. De vez em quando páro, e o ruído dos passos da pessoa que me persegue deixam de se ouvir na noite muito escura. Viro-me; olho o seu rosto: e é o meu rosto que vejo no rosto de quem me persegue, olhando-me nos olhos, de frente, como se houvesse uma pergunta que ficou por fazer.
quinta-feira, outubro 13, 2005
quarta-feira, outubro 12, 2005
Uma árvore. [Memórias dum outro rio]
jcb

Como compreender as folhas sem os ramos, os ramos sem o tronco, o tronco sem a seiva que flui da raiz até às folhas, a água sem as raízes, o ar sem as folhas movendo-se nas manhãs de novembro, a madeira sem a trave mestra da casa ou as tábuas de esquadria, as folhas sem a sombra, o vento sem o fuste, a sombra sem a luz poisada na copa quando as crianças regressam de outros lugares como se regressassem de outras idades? No mundo, em boa verdade, só duas ou três coisas realmente importam. Uma árvore, por exemplo.

Como compreender as folhas sem os ramos, os ramos sem o tronco, o tronco sem a seiva que flui da raiz até às folhas, a água sem as raízes, o ar sem as folhas movendo-se nas manhãs de novembro, a madeira sem a trave mestra da casa ou as tábuas de esquadria, as folhas sem a sombra, o vento sem o fuste, a sombra sem a luz poisada na copa quando as crianças regressam de outros lugares como se regressassem de outras idades? No mundo, em boa verdade, só duas ou três coisas realmente importam. Uma árvore, por exemplo.
terça-feira, outubro 11, 2005
Ainda a chuva
Continua a chover. E a noite traz esse rumor simultaneamente intenso e quase imperceptível. Que não é o do levante mas o do silêncio sobressaltado das águas subterrâneas.
segunda-feira, outubro 10, 2005
domingo, outubro 09, 2005
terça-feira, outubro 04, 2005
segunda-feira, outubro 03, 2005
Autárquicas
O senhor presidente asfaltou às pressas o caminho de acesso e anunciou, num cartaz de exterior, que agora é que haveria de construir a rotunda e que, sobre um plinto de calcário, ergueria o símbolo do desenvolvimento económico do concelho: um paralelepípedo de betão com uma vareta metálica de baixo a cima unindo dois dos seus vértices.
Presidenciais
O chefe de quadrilha foi identificado pela sobrinha do xerife na estação dos correios: reconheceu-o pela cicatriz, vincada, que lhe descia do sobrolho: o assalto à diligência estava ainda na memória de todos. O bandido, após um breve momento de tensão, fugiu a cavalo empunhando a Smith & Wesson. Nas oficinas do Telegraph, entretanto, começou a azáfama: algumas horas depois estaria na rua uma nova edição do jornal. Pela simples razão de que havia notícia. É que o Telegraph – que desprezava tanto a ideia de periodicidade – só era impresso quando havia notícias.
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