domingo, dezembro 31, 2006

Longe de casa

A Princesa
lava tachos e descasca batatas
das dez e meia às
quatro da tarde
e das seis às onze da noite.
Nos intervalos
varre o chão
e limpa as bancadas
da cozinha. Chega
a nem ter tempo
de usar a coroa.

Autocarros

No regresso
a polícia de fronteira
pediu-lhe os papéis
que não tinha. Telefonou logo
a dizer que o mais certo
era não chegar como acordado
a 27 de Dezembro. Estava
triste. E sabia
que na sua ausência
não haveria de faltar
quem servisse às mesas
do restaurante.

O amor

O amor é
às vezes um gesto: escrever
o nome
numa fotografia,
ir ao cinema em vez
do futebol.

Uma tristeza, mas enfim

O Saddam lá foi. É assim que nós, o mundo civilizado, parece que gostamos de mostrar como é - para que vejam.

sábado, dezembro 30, 2006

Sólo te pedía

Me acuerdo de ese tiempo en que decías
«lo hago todo por ti, mi amor».
Y yo te pedía tan sólo que te colgaras de las nubes
o que caminases sutilmente sobre el agua
de los grandes lagos
de la península.


Poema de J. C. Barros.
Tradução de Manuel Moya.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Um dia

Um dia não sabes
o que fazer dos frutos maduros. Um dia
não acreditas nos mapas dos prédios.
Um dia não sabes
como estender a toalha
na mesa: onde colocar

os talheres. Um dia não sabes
a medida da água nos cântaros. Um dia
não reconheces a caligrafia das cartas.
Um dia não sabes
como pendurar na parede
os retratos: como escolher

os que ficam. Um dia estás só
entre estranhos e crianças velozes.

E só não sabes
ou recusas saber
que te devem
tudo.

Outro rio, 2

jcb


Outro rio, 1

jcb


sexta-feira, dezembro 22, 2006

Os lugares

O que são os lugares fora da memória que temos deles?

terça-feira, dezembro 19, 2006

Histórias, 1

[O dia das mentiras]

Não nos víamos há algum tempo. Telefonou-me: «Hoje faço anos. Logo à noite não queres aparecer lá em casa?» Fiquei de pé atrás: «Mas hoje é dia um de Abril... Falas a sério?» «Sim, é a sério. Verdade». E depois duma pausa: «Mas deixa lá, está à vontade: já estou habituado a que ninguém me apareça nas festas de aniversário...»

Não apenas

Não apenas o vinho de uma das taças mas o de ambas
e duas: bebê-lo assim um do outro ou não
separados na distância: acre, doce,
sem uma única pergunta ou indecisão.

domingo, dezembro 17, 2006

O Inverno

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Antes das sombras das figueiras nuas desenhadas na terra: a luz pretérita, a água das nascentes, o azul da nuvem de silêncio, uma espécie de apaziguado rumor incandescente.

Uma história, 3

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«Os dois sinhores vâo vêr as suas popriédades»

Uma história, 2

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«As duas meninas náo tém medo das nûvems»

Uma história, 1

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«As senhôras vão faser as compras do Natál»

sábado, dezembro 16, 2006

A cal

Tudo o que é da sombra nasce da luz
tudo o que é da luz nasce da sombra
nos meses de julho a tarde cai a pique
nas paredes de cal
mas antes é preciso a pedra
mas antes é preciso a sombra
mas antes é preciso o lume
só depois esse iluminado espelho
vertical.

Santa Rita: um forno de cal

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terça-feira, dezembro 12, 2006

Sobre posições





J. C. Barros. Primeiro estudo para «Sobre posições: um fim de semana com gripe». Acrílico sobre tela, 70x70 cm.

domingo, dezembro 10, 2006

Canção

É quase nada é o teu rosto é uma sílaba
é só o pátio dos incêndios um poema
é uma nuvem uma praia é o que cintila
é uma tarde de mãos dadas no cinema

É a memória desse instante inicial
é quase nada é quase tudo é só o vento
tu respirares entre o silêncio a neve e a cal
rosas de fogo iluminadas só por dentro

É o teu nome inscrito a giz numa bandeira
a via láctea nos teus olhos meu amor
é o que fica do inverno é a primeira
água do mundo a sua luz o seu rumor

Agora o tempo é no teu nome que parou
um rio súbito um momento inaugural
adormecemos e esta história terminou
foste de mim eu fui de ti ponto final


(Refrão)

É só o vento
nos teus olhos
só o vento

É só o vento
o seu rumor
a sua voz

É só o vento
meu amor
é só o vento

E lá por dentro
estarmos nós
e estarmos sós

É só o vento
meu amor
é só o vento

É só o vento
o seu rumor
é só o tempo

É só o vento
meu amor
é só o vento

É só o tempo
e lá por dentro
estarmos nós

sábado, dezembro 09, 2006

Luís

Zarolho sim
mas com um jeito filho da puta
para o decassílabo

Mário

De Deus é costume dizer-se
outra coisa não fez Cesariny
que escreve direito por linhas tortas

Tolentino

Arremetendo-lhe a mãe eis senão quando
uma mobília em saldo da Moviflor lhe
sai de dentro do toucado

A memória

Não escapamos a esse momento em que a felicidade
por um instante nos iluminou e iluminou
o mundo. Era ainda cedo, era
já demasiado tarde. Quando
essa luz agora regressa
toca-nos a inexpugnável sombra
de nos sabermos tão afastados dela
e indefesos. Isso sabemos. Só não sabemos
em que obscuro lugar se perdeu a certeza
de que em nós coincidiriam sempre
a alegria
e o Tempo.

O teu rosto

O mar
um espelho
que devolva o teu rosto

A Poesia

Prosa. Nenhum artifício. Límpida.
Tronco, água, pedra, muro. Da sombra
só a parcela mínima de sombra
sem a luz
de que reverte.

Antologia

O vento.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Poema incompleto

J. C. Barros. «Poema incompleto». Acrílico sobre tela, 80x80 cm.

Uma árvore em mil novecentos e oitenta e dois

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Por dentro das casas



J. C. Barros. «O que está por dentro das casas». Acrílico sobre tela, 100x65 cm.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O ensino pelos manuais

«As crianças não aprendem»
as crianças erguem com as suas ruidosas mãos
uma nuvem de silício

Depois do amor

Um navio de pérolas
em nenhum outro lugar
quero adormecer

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Uma história antiga

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A noite de 15 de Março de 2007

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Um regresso a casa

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[Coisas que se guardam no coração]




Pintura de António Inverno. «H2O. Máquina». Óleo sobre tela.