domingo, dezembro 31, 2006
Longe de casa
A Princesa
lava tachos e descasca batatas
das dez e meia às
quatro da tarde
e das seis às onze da noite.
Nos intervalos
varre o chão
e limpa as bancadas
da cozinha. Chega
a nem ter tempo
de usar a coroa.
lava tachos e descasca batatas
das dez e meia às
quatro da tarde
e das seis às onze da noite.
Nos intervalos
varre o chão
e limpa as bancadas
da cozinha. Chega
a nem ter tempo
de usar a coroa.
Autocarros
No regresso
a polícia de fronteira
pediu-lhe os papéis
que não tinha. Telefonou logo
a dizer que o mais certo
era não chegar como acordado
a 27 de Dezembro. Estava
triste. E sabia
que na sua ausência
não haveria de faltar
quem servisse às mesas
do restaurante.
a polícia de fronteira
pediu-lhe os papéis
que não tinha. Telefonou logo
a dizer que o mais certo
era não chegar como acordado
a 27 de Dezembro. Estava
triste. E sabia
que na sua ausência
não haveria de faltar
quem servisse às mesas
do restaurante.
Uma tristeza, mas enfim
O Saddam lá foi. É assim que nós, o mundo civilizado, parece que gostamos de mostrar como é - para que vejam.
sábado, dezembro 30, 2006
Sólo te pedía
Me acuerdo de ese tiempo en que decías
«lo hago todo por ti, mi amor».
Y yo te pedía tan sólo que te colgaras de las nubes
o que caminases sutilmente sobre el agua
de los grandes lagos
de la península.
Poema de J. C. Barros.
Tradução de Manuel Moya.
«lo hago todo por ti, mi amor».
Y yo te pedía tan sólo que te colgaras de las nubes
o que caminases sutilmente sobre el agua
de los grandes lagos
de la península.
Poema de J. C. Barros.
Tradução de Manuel Moya.
quinta-feira, dezembro 28, 2006
Um dia
Um dia não sabes
o que fazer dos frutos maduros. Um dia
não acreditas nos mapas dos prédios.
Um dia não sabes
como estender a toalha
na mesa: onde colocar
os talheres. Um dia não sabes
a medida da água nos cântaros. Um dia
não reconheces a caligrafia das cartas.
Um dia não sabes
como pendurar na parede
os retratos: como escolher
os que ficam. Um dia estás só
entre estranhos e crianças velozes.
E só não sabes
ou recusas saber
que te devem
tudo.
o que fazer dos frutos maduros. Um dia
não acreditas nos mapas dos prédios.
Um dia não sabes
como estender a toalha
na mesa: onde colocar
os talheres. Um dia não sabes
a medida da água nos cântaros. Um dia
não reconheces a caligrafia das cartas.
Um dia não sabes
como pendurar na parede
os retratos: como escolher
os que ficam. Um dia estás só
entre estranhos e crianças velozes.
E só não sabes
ou recusas saber
que te devem
tudo.
sexta-feira, dezembro 22, 2006
terça-feira, dezembro 19, 2006
Histórias, 1
[O dia das mentiras]
Não nos víamos há algum tempo. Telefonou-me: «Hoje faço anos. Logo à noite não queres aparecer lá em casa?» Fiquei de pé atrás: «Mas hoje é dia um de Abril... Falas a sério?» «Sim, é a sério. Verdade». E depois duma pausa: «Mas deixa lá, está à vontade: já estou habituado a que ninguém me apareça nas festas de aniversário...»
Não nos víamos há algum tempo. Telefonou-me: «Hoje faço anos. Logo à noite não queres aparecer lá em casa?» Fiquei de pé atrás: «Mas hoje é dia um de Abril... Falas a sério?» «Sim, é a sério. Verdade». E depois duma pausa: «Mas deixa lá, está à vontade: já estou habituado a que ninguém me apareça nas festas de aniversário...»
Não apenas
Não apenas o vinho de uma das taças mas o de ambas
e duas: bebê-lo assim um do outro ou não
separados na distância: acre, doce,
sem uma única pergunta ou indecisão.
e duas: bebê-lo assim um do outro ou não
separados na distância: acre, doce,
sem uma única pergunta ou indecisão.
domingo, dezembro 17, 2006
sábado, dezembro 16, 2006
terça-feira, dezembro 12, 2006
Sobre posições
J. C. Barros. Primeiro estudo para «Sobre posições: um fim de semana com gripe». Acrílico sobre tela, 70x70 cm.
domingo, dezembro 10, 2006
Canção
É quase nada é o teu rosto é uma sílaba
é só o pátio dos incêndios um poema
é uma nuvem uma praia é o que cintila
é uma tarde de mãos dadas no cinema
É a memória desse instante inicial
é quase nada é quase tudo é só o vento
tu respirares entre o silêncio a neve e a cal
rosas de fogo iluminadas só por dentro
É o teu nome inscrito a giz numa bandeira
a via láctea nos teus olhos meu amor
é o que fica do inverno é a primeira
água do mundo a sua luz o seu rumor
Agora o tempo é no teu nome que parou
um rio súbito um momento inaugural
adormecemos e esta história terminou
foste de mim eu fui de ti ponto final
(Refrão)
É só o vento
nos teus olhos
só o vento
É só o vento
o seu rumor
a sua voz
É só o vento
meu amor
é só o vento
E lá por dentro
estarmos nós
e estarmos sós
É só o vento
meu amor
é só o vento
É só o vento
o seu rumor
é só o tempo
É só o vento
meu amor
é só o vento
É só o tempo
e lá por dentro
estarmos nós
é só o pátio dos incêndios um poema
é uma nuvem uma praia é o que cintila
é uma tarde de mãos dadas no cinema
É a memória desse instante inicial
é quase nada é quase tudo é só o vento
tu respirares entre o silêncio a neve e a cal
rosas de fogo iluminadas só por dentro
É o teu nome inscrito a giz numa bandeira
a via láctea nos teus olhos meu amor
é o que fica do inverno é a primeira
água do mundo a sua luz o seu rumor
Agora o tempo é no teu nome que parou
um rio súbito um momento inaugural
adormecemos e esta história terminou
foste de mim eu fui de ti ponto final
(Refrão)
É só o vento
nos teus olhos
só o vento
É só o vento
o seu rumor
a sua voz
É só o vento
meu amor
é só o vento
E lá por dentro
estarmos nós
e estarmos sós
É só o vento
meu amor
é só o vento
É só o vento
o seu rumor
é só o tempo
É só o vento
meu amor
é só o vento
É só o tempo
e lá por dentro
estarmos nós
sábado, dezembro 09, 2006
A memória
Não escapamos a esse momento em que a felicidade
por um instante nos iluminou e iluminou
o mundo. Era ainda cedo, era
já demasiado tarde. Quando
essa luz agora regressa
toca-nos a inexpugnável sombra
de nos sabermos tão afastados dela
e indefesos. Isso sabemos. Só não sabemos
em que obscuro lugar se perdeu a certeza
de que em nós coincidiriam sempre
a alegria
e o Tempo.
por um instante nos iluminou e iluminou
o mundo. Era ainda cedo, era
já demasiado tarde. Quando
essa luz agora regressa
toca-nos a inexpugnável sombra
de nos sabermos tão afastados dela
e indefesos. Isso sabemos. Só não sabemos
em que obscuro lugar se perdeu a certeza
de que em nós coincidiriam sempre
a alegria
e o Tempo.
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Por dentro das casas
J. C. Barros. «O que está por dentro das casas». Acrílico sobre tela, 100x65 cm.
quarta-feira, dezembro 06, 2006
O ensino pelos manuais
«As crianças não aprendem»
as crianças erguem com as suas ruidosas mãos
uma nuvem de silício
as crianças erguem com as suas ruidosas mãos
uma nuvem de silício
segunda-feira, dezembro 04, 2006
quinta-feira, novembro 30, 2006
terça-feira, novembro 28, 2006
[Se tu quisesses]
J. C. Barros. «Se tu quisesses ser o meu barco...». Acrílico sobre tela, 80x80 cm.
Apagar
Eu quero apenas ser chamado de novo
ao quadro de ardósia
e ter um apagador
eu quero apenas escrever a giz no meio da tempestade
eu quero apenas rasgar as páginas dos livros
eu quero apenas adormecer
eu quero apenas acordar quando os relâmpagos
trouxerem por um breve instante
o milagre de tudo ficar
iluminado por dentro.
ao quadro de ardósia
e ter um apagador
eu quero apenas escrever a giz no meio da tempestade
eu quero apenas rasgar as páginas dos livros
eu quero apenas adormecer
eu quero apenas acordar quando os relâmpagos
trouxerem por um breve instante
o milagre de tudo ficar
iluminado por dentro.
segunda-feira, novembro 27, 2006
Do que é imutável
As folhas persistentes das alfarrobeiras permanecem como um sinal do que é imutável. Como se o Inverno, mudando quase tudo, precisasse dessa fidelidade, desse sacrifício, para que o milagre (por exemplo) das amendoeiras em flor possa vir a acontecer.
sábado, novembro 25, 2006
segunda-feira, novembro 20, 2006
domingo, novembro 19, 2006
Não termos aprendido
Revês Auschwitz
e custa-te compreender
não exactamente como foram possíveis os crimes
mas como é possível
tanto tempo depois
não termos aprendido
nada.
e custa-te compreender
não exactamente como foram possíveis os crimes
mas como é possível
tanto tempo depois
não termos aprendido
nada.
quarta-feira, novembro 15, 2006
Um erro ortográfico
O António, meu particular amigo, da forma civilizada que não conhece quem o não conhece, pergunta-me por mail, relativamente ao poema publicado exactamente antes do presente post, se não queria dizer «sedela» em vez de «sediela». Fui, claro, à minha bíblia, ostensivamente, esclarecer a coisa: mas o Houaiss deixou-me mal, o filho da mãe, e a verdade é que não reconhece a palavra tal qual a aprendi na minha precoce juventude de entusiasmado e militante pescador de trutas Fario fario: lá registando, embora (o Houaiss), o termo em que o António insiste: sedela.
Isto é daquelas coisas decisivas, fundamentais, que não deveriam ficar sem registo e discussão: a língua pertence aos senhores dos acordos ortográficos, pertence a quem a fala, pertence ao irredutível catálogo dos dicionários?
Aqui regressarei, claro, sobre o assunto. Mas gostaria de o deixar assim, desde já, aberto a comentários de quem se atreva (ou «astreva»?) a perorar. E depois falamos.
[Pelo sim pelo não, deixo no poema - só por causa das três sílabas, que me davam mais jeito... - o termo errado.]
Isto é daquelas coisas decisivas, fundamentais, que não deveriam ficar sem registo e discussão: a língua pertence aos senhores dos acordos ortográficos, pertence a quem a fala, pertence ao irredutível catálogo dos dicionários?
Aqui regressarei, claro, sobre o assunto. Mas gostaria de o deixar assim, desde já, aberto a comentários de quem se atreva (ou «astreva»?) a perorar. E depois falamos.
[Pelo sim pelo não, deixo no poema - só por causa das três sílabas, que me davam mais jeito... - o termo errado.]
domingo, novembro 12, 2006
sábado, novembro 11, 2006
quinta-feira, novembro 09, 2006
A praia em Novembro
Nem rostos nem palavras: só o vento
na praia já deserta. E as marés
ainda próximas do equinócio a
erguerem-se na primeira duna. Em
vez do azul, em vez do amarelo dos
toldos, em vez das esplanadas, só a
praia: quase as primeiras águas, quase
os primeiros, inumeráveis nomes
do mundo.
na praia já deserta. E as marés
ainda próximas do equinócio a
erguerem-se na primeira duna. Em
vez do azul, em vez do amarelo dos
toldos, em vez das esplanadas, só a
praia: quase as primeiras águas, quase
os primeiros, inumeráveis nomes
do mundo.
Depois das chuvas
Depois das chuvas, depois do sobressaltado rumor do levante, a noite parece ter-se recolhido, quase doméstica, nos ramos das figueiras jovens. Nenhuma folha, claro, nenhum silêncio acolhe as suas tão breves frases: mas a lua quase cheia, as águas subterrâneas, a sombra do pomar – instituem uma nova ordem: e é então que a luz, a luz da noite, adormece enfim, vagarosa, nos primeiros dias de novembro.
segunda-feira, novembro 06, 2006
Conquistar o mundo
Lembro-me de quando
acertámos conquistar o mundo: haveríamos
de começar, porque não poderíamos
ser surpreendidos pelo avanço da neve
à medida que nós mesmos
fôssemos avançando as tropas,
de norte para sul; e
de poente para nascente,
de modo a que o sol não
nos ficasse de frente
nas batalhas decisivas
dos finais de tarde. Tínhamos
problemas logísticos, claro: carros
de combate com rolamentos
e eixo de varetas, espingardas
de madeira da serração;
e no chão
de caruma dos pinhais bravos
é que procurávamos, de entre as pinhas que
se recusavam a abrir por inteiro,
as granadas defensivas. Mas
o problema verdadeiro,
a derradeira desgraça, é
que as aulas iam começar
e nenhum de nós, voluntariosos
soldados da milícia
destinados a salvar
o mundo, teve autorização
dos pais para faltar
à escola por um semestre, pondo
em risco as orais do exame
da quarta classe.
acertámos conquistar o mundo: haveríamos
de começar, porque não poderíamos
ser surpreendidos pelo avanço da neve
à medida que nós mesmos
fôssemos avançando as tropas,
de norte para sul; e
de poente para nascente,
de modo a que o sol não
nos ficasse de frente
nas batalhas decisivas
dos finais de tarde. Tínhamos
problemas logísticos, claro: carros
de combate com rolamentos
e eixo de varetas, espingardas
de madeira da serração;
e no chão
de caruma dos pinhais bravos
é que procurávamos, de entre as pinhas que
se recusavam a abrir por inteiro,
as granadas defensivas. Mas
o problema verdadeiro,
a derradeira desgraça, é
que as aulas iam começar
e nenhum de nós, voluntariosos
soldados da milícia
destinados a salvar
o mundo, teve autorização
dos pais para faltar
à escola por um semestre, pondo
em risco as orais do exame
da quarta classe.
domingo, novembro 05, 2006
As perguntas
jcb [Óleo sobre porta de armário]
Há perguntas que permanecem sem resposta. Sem a necessidade de justificação ou desagravo. Ficam assim, ténues, frágeis, sem defesa nem protecção. E erguem as suas bandeiras como se apenas o silêncio pudesse tocá-las por dentro.
Há perguntas que permanecem sem resposta. Sem a necessidade de justificação ou desagravo. Ficam assim, ténues, frágeis, sem defesa nem protecção. E erguem as suas bandeiras como se apenas o silêncio pudesse tocá-las por dentro.
Veio a chuva
jcb
Veio a chuva. E as rãs, que chegam em Março e depois desaparecem quando os ameaços de frio avançam por sobre os planos de água, deixaram por instantes, antecipadamente, o seu refúgio. Não é ainda o tempo. É apenas um nome. É apenas um pretexto para que as folhas das figueiras anunciem, de um modo obscuro, os primeiros meses de Novembro. Sim, é tarde. Mas, mais uma vez, corro à pedra da entrada e olho as águas, por dentro da noite, à procura da sua inúmera, imprevista luminosidade.
Veio a chuva. E as rãs, que chegam em Março e depois desaparecem quando os ameaços de frio avançam por sobre os planos de água, deixaram por instantes, antecipadamente, o seu refúgio. Não é ainda o tempo. É apenas um nome. É apenas um pretexto para que as folhas das figueiras anunciem, de um modo obscuro, os primeiros meses de Novembro. Sim, é tarde. Mas, mais uma vez, corro à pedra da entrada e olho as águas, por dentro da noite, à procura da sua inúmera, imprevista luminosidade.
sábado, novembro 04, 2006
quinta-feira, novembro 02, 2006
Não necessariamente
Depois do fogo e das cinzas, a água: a água não necessariamente regeneradora.
«Waters»
Imagem: Daniela Sousa.
Órgão: Arménio Mota; Piano e Percussão: Manuel Guimarães.
«Waters»
Imagem: Daniela Sousa.
Órgão: Arménio Mota; Piano e Percussão: Manuel Guimarães.
quarta-feira, novembro 01, 2006
Los barcos de las perlas
Los barcos de las perlas navegan en el nácar
de las aguas reconvertidas en íntimo silencio:
vueltos del revés, vueltos hacia adentro
como si sólo los guiase la geometría y el álgebra.
Los barcos de las perlas no despliegan las velas:
navegan en el nácar cortando en tajadas
la oscura materia de las más viejas aguas
que vuelven desde las mínimas fracciones del éter.
No van marineros en los barcos de las perlas:
sólo tú vas al timón, sólo tú los llevas:
y la noche es una sombra transformada en fuego
del amor que ni siquiera une las más efímeras cosas.
Poema de José Carlos Barros.
Tradução para castelhano: Manuel Moya.
de las aguas reconvertidas en íntimo silencio:
vueltos del revés, vueltos hacia adentro
como si sólo los guiase la geometría y el álgebra.
Los barcos de las perlas no despliegan las velas:
navegan en el nácar cortando en tajadas
la oscura materia de las más viejas aguas
que vuelven desde las mínimas fracciones del éter.
No van marineros en los barcos de las perlas:
sólo tú vas al timón, sólo tú los llevas:
y la noche es una sombra transformada en fuego
del amor que ni siquiera une las más efímeras cosas.
Poema de José Carlos Barros.
Tradução para castelhano: Manuel Moya.
segunda-feira, outubro 30, 2006
Reverso
Até 17 de Novembro, na Casa de Cacela: REVERSO, exposição de pintura e escultura de Filipa Nuñez.
Filipa Nuñez.
1: Escultura (fragmento) da série «Egg Balance». Resina, papier mâché e penas.
2: Fragmento de pintura da série «A cidade e o campo». Técnica mista sobre tela.
sábado, outubro 28, 2006
Não peço mais
Não peço mais do mundo:
as manhãs desenhadas
pelo vento nos taludes das margens
cortadas a pique dos açudes,
a cal e o oxigénio
nos pátios de tijoleira,
a nuvem de silêncio
adormecida nos telhados vermelhos
das casas da encosta, a água
do tanque, o teu nome,
o teu rosto desviando
as tempestades pretéritas
para as páginas dos romances
publicados em edições de autor.
as manhãs desenhadas
pelo vento nos taludes das margens
cortadas a pique dos açudes,
a cal e o oxigénio
nos pátios de tijoleira,
a nuvem de silêncio
adormecida nos telhados vermelhos
das casas da encosta, a água
do tanque, o teu nome,
o teu rosto desviando
as tempestades pretéritas
para as páginas dos romances
publicados em edições de autor.
quarta-feira, outubro 25, 2006
terça-feira, outubro 24, 2006
Como se fosse sobre a Alma ou a passagem do Tempo
http://www.youtube.com/watch?v=c3MWjfdhOl8#
«Burned». Imagem: Daniela Sousa; Música: Manuel Guimarães.
domingo, outubro 22, 2006
[Memória descritiva]
jcb
Antes da chuva, antes ainda do vento
de sudoeste, as águas de outubro
ficavam assim, cedo de manhã, intactas, como
pequenas pérolas que
as mãos recolhessem
para iluminar o inverno.
Antes da chuva, antes ainda do vento
de sudoeste, as águas de outubro
ficavam assim, cedo de manhã, intactas, como
pequenas pérolas que
as mãos recolhessem
para iluminar o inverno.
quinta-feira, outubro 19, 2006
Sophia, o ICN e a Culatra
Num dos mais belos poemas da língua portuguesa, Sophia de Mello Breyner Andresen insiste que «A civilização em que estamos é tão errada que/ Nela o pensamento se desligou da mão». O poema é já antigo: mas a passagem dos anos, ao invés de o envelhecer ou de lhe retirar esse iluminado fulgor, acrescentou às suas sílabas uma estranha e dolorosa actualidade. Nunca, como no nosso tempo, foi tão evidente esse afastamento entre mão e pensamento, entre teoria e prática, entre discurso e realidade concreta.
O mundo urbano e o mundo rural deixaram de se constituir como elementos de complementaridade e equilíbrio: diluídas as suas fronteiras, há uma espécie de suburbanidade (dito melhor: uma cultura suburbana) que avança, avassaladora, boçal, sem saber muito bem para onde caminha e que objectivos pretende atingir. Num tempo em que os instrumentos de navegação nos permitiriam tirar os pontos de rumo, é como se uma esquiva vocação para o desastre nos deixasse, enquanto alternativas únicas, a navegação à vista ou o naufrágio.
[Texto completo no Jornal do Algarve]
O mundo urbano e o mundo rural deixaram de se constituir como elementos de complementaridade e equilíbrio: diluídas as suas fronteiras, há uma espécie de suburbanidade (dito melhor: uma cultura suburbana) que avança, avassaladora, boçal, sem saber muito bem para onde caminha e que objectivos pretende atingir. Num tempo em que os instrumentos de navegação nos permitiriam tirar os pontos de rumo, é como se uma esquiva vocação para o desastre nos deixasse, enquanto alternativas únicas, a navegação à vista ou o naufrágio.
[Texto completo no Jornal do Algarve]
domingo, outubro 15, 2006
Fio tenso, 2
Num tempo em que as frases
eram devolvidas aos seus primeiros nomes
e a água revertia da nuvem
e o fogo da raiz da urze
tu subias a escaleira e declaravas o desastre
dos incêndios a nascer do movimento
vagaroso das mãos sobre o corpo.
eram devolvidas aos seus primeiros nomes
e a água revertia da nuvem
e o fogo da raiz da urze
tu subias a escaleira e declaravas o desastre
dos incêndios a nascer do movimento
vagaroso das mãos sobre o corpo.
Dalto a baixo
João Gonçalves não compreende como é que, por razões legislativas, vamos agora ficar assim impedidos de «dar uma legítima e oportuna chapada no filho mal educado e parvo». De facto, rsrs... Eu, quanto aos filhos parvos, então, nem discuto - é desancá-los dalto a baixo...
La nostalgia
Hubo un tiempo en que extendíamos los frutos
en la estera de las azoteas como si todavía fuese
posible añadir a la tarde otra luz
que la tarde con exasperación buscaba
en sus frases de verano. Los niños
corrían por los bordes de las acequias,
se sumergían en la alberca o se levantaban en
equilibrio en las cordilleras distantes. Entonces, las mujeres
se alzaban de sus sillas de esparto y venían
también ellas al patio, deslumbradas, a mirar las
llamaradas inmensas y a ocultar con el pañuelo
en la cara las lágrimas de una nostalgia sin nombre.
[Poema de José Carlos Barros; tradução de Manuel Moya]
en la estera de las azoteas como si todavía fuese
posible añadir a la tarde otra luz
que la tarde con exasperación buscaba
en sus frases de verano. Los niños
corrían por los bordes de las acequias,
se sumergían en la alberca o se levantaban en
equilibrio en las cordilleras distantes. Entonces, las mujeres
se alzaban de sus sillas de esparto y venían
también ellas al patio, deslumbradas, a mirar las
llamaradas inmensas y a ocultar con el pañuelo
en la cara las lágrimas de una nostalgia sin nombre.
[Poema de José Carlos Barros; tradução de Manuel Moya]
sábado, outubro 14, 2006
O peixe estatístico
As campanhas contra o Algarve começavam geralmente em meados de Julho e resumiam-se à vociferação de uns cronistas contra o inferno algarvio das estradas e dos restaurantes e das bichas para a costeleta e dos lugares de estacionamento e do urbanismo e do lixo e do estado do pavimento das ruas e da chuva se chove sem aviso prévio ou do vento se levanta no ar os sacos de plástico das batatas fritas. O retrato era, e é, invariavelmente, negro: no meio de um oásis que parece coincidir com a quase totalidade do território nacional, onde o substracto cívico e o ambiente e o ordenamento se constituem como exemplos, o Algarve emerge enquanto ferida que envergonha a Pátria. Clara Ferreira Alves, por exemplo, retratou assim o Algarve, em Julho, nas páginas do Expresso: «Como é possível estender a toalha numa areia preta, carregada de detritos, que nenhum autarca desses do Sul decidiu tornar habitável?».
Há razões para afirmar que ainda vamos ter saudades do tempo em que as campanhas contra a Região eram sazonais e se resumiam a isto, a esta má-fé pré-estival de escribas pagos à lauda…
Entretanto, e não propriamente em consequência da «areia preta» a que a cronista masoquista faz referência (todos os anos a vemos em Faro, no Verão – presume-se que no intervalo de escrever crónicas lançando coriscos sobre os sítios que escolhe), o Algarve enriqueceu por efeito estatístico. As contas são feitas assim: antigamente tínhamos um peixe para o jantar; agora continuamos a ter um peixe; mas o alargamento a Leste determinou em Bruxelas que passemos a ter um peixe real mais um peixe estatístico: temos, portanto, dois peixes: ainda que ao peixe estatístico, como se depreende, não nos seja possível afivelar o dente… Mas isso bastou – o peixe estatístico, somado a um inqualificável critério de prioridades – para que ao Algarve, no próximo quadro comunitário (2007 a 2013), esteja destinado não mais que metade do montante financeiro a que teve direito entre 1999 e 2006.
O Algarve, entretanto, já assim enriquecido com um peixe estatístico e um bocadinho anestesiado com a ciência das médias e das medianas, foi assistindo, incrédulo, ao evoluir de uma lei (das Finanças Locais) que se destina supostamente a um maior equilíbrio na distribuição das receitas do Estado pelos diferentes concelhos do país. Curiosamente – mas isto há-de ser um pormenor –, o resultado é que o Algarve se «equilibra» perdendo, no seu conjunto, mais de metade do montante actual das transferências do Estado, enquanto que um conjunto alargado de concelhos, nomeadamente das regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, verá aumentadas as transferências em valores que rondam ou ultrapassam os 50%. Se há equilíbrio? Há: a nível nacional, no seu conjunto, há: há sempre equilíbrio se o corte de uma das parcelas tem relação, em grau idêntico, com a correspondente benesse na outra parcela. O azar – mas isto não há-de ser senão azar – é que a parcela dos cortes calhe exactamente ao Algarve… Como se, tendo um peixe estatístico que não cabe na grelha, a Região já nem precisasse de meter ao lume o peixe efectivo de que dispunha…
Assim, com estas contas de peixes e equilíbrios, o Algarve perde metade dos fundos comunitários e perde metade das transferências do Estado… O caso seria de sorrir, de brincar nas tertúlias de sexta-feira à noite, se o que estivesse em causa não fossem pessoas, desinvestimento em requalificação ambiental e paisagística, em equipamentos sociais, em infraestruturas escolares, em qualidade de vida, em competitividade territorial… Ou seja: se o caso não fosse tratar-se do mundo real e não de um filme ou de um romance sobre teorias de conspiração em que o argumento versasse sobre o Algarve como um incómodo mal resolvido pela Pátria. Nesse filme, nessa obra de ficção, até no ano em que se comemorasse em Portugal, pela primeira vez, o Dia Mundial do Turismo, a principal região turística do País ficaria de fora do retrato – e haveria muitos aplausos meio-envergonhados de mostrarem os dentes…
[Jornal do Algarve]
Há razões para afirmar que ainda vamos ter saudades do tempo em que as campanhas contra a Região eram sazonais e se resumiam a isto, a esta má-fé pré-estival de escribas pagos à lauda…
Entretanto, e não propriamente em consequência da «areia preta» a que a cronista masoquista faz referência (todos os anos a vemos em Faro, no Verão – presume-se que no intervalo de escrever crónicas lançando coriscos sobre os sítios que escolhe), o Algarve enriqueceu por efeito estatístico. As contas são feitas assim: antigamente tínhamos um peixe para o jantar; agora continuamos a ter um peixe; mas o alargamento a Leste determinou em Bruxelas que passemos a ter um peixe real mais um peixe estatístico: temos, portanto, dois peixes: ainda que ao peixe estatístico, como se depreende, não nos seja possível afivelar o dente… Mas isso bastou – o peixe estatístico, somado a um inqualificável critério de prioridades – para que ao Algarve, no próximo quadro comunitário (2007 a 2013), esteja destinado não mais que metade do montante financeiro a que teve direito entre 1999 e 2006.
O Algarve, entretanto, já assim enriquecido com um peixe estatístico e um bocadinho anestesiado com a ciência das médias e das medianas, foi assistindo, incrédulo, ao evoluir de uma lei (das Finanças Locais) que se destina supostamente a um maior equilíbrio na distribuição das receitas do Estado pelos diferentes concelhos do país. Curiosamente – mas isto há-de ser um pormenor –, o resultado é que o Algarve se «equilibra» perdendo, no seu conjunto, mais de metade do montante actual das transferências do Estado, enquanto que um conjunto alargado de concelhos, nomeadamente das regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, verá aumentadas as transferências em valores que rondam ou ultrapassam os 50%. Se há equilíbrio? Há: a nível nacional, no seu conjunto, há: há sempre equilíbrio se o corte de uma das parcelas tem relação, em grau idêntico, com a correspondente benesse na outra parcela. O azar – mas isto não há-de ser senão azar – é que a parcela dos cortes calhe exactamente ao Algarve… Como se, tendo um peixe estatístico que não cabe na grelha, a Região já nem precisasse de meter ao lume o peixe efectivo de que dispunha…
Assim, com estas contas de peixes e equilíbrios, o Algarve perde metade dos fundos comunitários e perde metade das transferências do Estado… O caso seria de sorrir, de brincar nas tertúlias de sexta-feira à noite, se o que estivesse em causa não fossem pessoas, desinvestimento em requalificação ambiental e paisagística, em equipamentos sociais, em infraestruturas escolares, em qualidade de vida, em competitividade territorial… Ou seja: se o caso não fosse tratar-se do mundo real e não de um filme ou de um romance sobre teorias de conspiração em que o argumento versasse sobre o Algarve como um incómodo mal resolvido pela Pátria. Nesse filme, nessa obra de ficção, até no ano em que se comemorasse em Portugal, pela primeira vez, o Dia Mundial do Turismo, a principal região turística do País ficaria de fora do retrato – e haveria muitos aplausos meio-envergonhados de mostrarem os dentes…
[Jornal do Algarve]
[Um poema inédito de Teresa Rita Lopes]
Ser do Sul
Colher
o fruto
da manhã
` `na romã
` `escancarada
Recolher
ao côncavo
da noite
` `na rede
` `esburacada
` `de estrelas
Colher
o fruto
da manhã
` `na romã
` `escancarada
Recolher
ao côncavo
da noite
` `na rede
` `esburacada
` `de estrelas
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