Uma onda
após outra
nos teus ombros
Pérolas azuis
os restos da maré
se adormeces
Na crista das dunas
as tuas mãos
ou nenhumas
quinta-feira, julho 19, 2007
Má sombra
Aí está, com toda a força, o Verão. Assim com maiúscula. Durante os próximos dois meses, digamos, a produção poética deveria ser proibida por decreto. Vai-se a ver, e os melhores espíritos da nossa geração dificilmente ultrapassam o costume sobre «a madrugada», sobre «o azul», sobre a ideia de «todas as águas». Os poetas com qualidades abundam por esta época, eles e os mosquitos, e fazem má sombra quando não são insuportáveis.
domingo, julho 15, 2007
Tokyo
Uma pérola
Uma pérola
a súbita flor da amendoeira
nos teus ombros
Apenas tocar-te
Eu quero apenas tocar-te
como se me despedisse
de ti
Luta
Imperceptível estremecer das folhas
do salgueiro
o aceno dos lutadores de sumo
Uma pétala
Quarenta e dois andares de cimento
e na varanda
uma pétala
Férias
No próximo ano meu amor
haveremos de tirar uma tarde inteira
só para nós
Uma pérola
a súbita flor da amendoeira
nos teus ombros
Apenas tocar-te
Eu quero apenas tocar-te
como se me despedisse
de ti
Luta
Imperceptível estremecer das folhas
do salgueiro
o aceno dos lutadores de sumo
Uma pétala
Quarenta e dois andares de cimento
e na varanda
uma pétala
Férias
No próximo ano meu amor
haveremos de tirar uma tarde inteira
só para nós
quinta-feira, julho 12, 2007
Só depois da luz
Só depois da luz imensa do solstício; só depois dos figos de S. João; só depois do calor e do lume dos meses de julho; só depois de nenhuma sombra na água dos tanques. As ameixas: o fruto que decorre do Verão e que traz os seus nomes atados à pele incandescente.
quarta-feira, julho 11, 2007
[Intervalo: livros, por exemplo]
O meu amigo João, provocador, mete-me assim sem mais aquelas numa corrente de escritas imaginando que citarei, de sopetão, o «Eu, Carolina, oh ai ai ai» – tendo o correspondente pretexto de me cair em cima fazendo depois piadinhas com, é um supor, o Derlei. Dessa estou eu livre – muitas felicidades à mocinha e ao FCP, e que no próximo ano o destino lhes permita, a eles, ao FCP e a ela, um lugar na Europa – cheios de dinheiro e sem Pepe nem outra gente de génio que se veja tirante o Pinto, o Castro, o Rui Pedro e o Hélder Barbosa.
Aconselhar cinco livros? Aí vai: não se pedindo necessariamente os que se levariam para a ilha deserta, deixemos os óbvios (D. Quixote, sempre, o Borges todo, sempre, o Camilo, sempre, o Sthendal, sempre, por exemplo) e passemos aos que, sendo obrigatórios, nem sempre aparecem por aí muito citados:
1: Michael Kohlhaas, o Rebelde, de Heinrich von Kleist. Livro maior da literatura universal, deveria ser obrigatório nas escolas e nos governos. «O príncipe Cristiano von Meissen, bastante preocupado com o aspecto que as coisas tomavam, ameaçando ofuscar perigosamente o bom nome do seu soberano, foi imediatamente ter com ele ao palácio e, embora adivinhando o interesse dos von Tronka em perder Kohlhaas, se possível apoiados em novos delitos, pediu-lhe autorização para submeter imediatamente o negociante a um novo interrogatório.»
2: Carta de Guia de Casados, de D. Francisco Manuel de Melo. Prosa límpida, de estudar-se nas escolas se as escolas tivessem a preocupação de ensinar-se a língua pátria. Um cibo reaccionariozinho, sim, que sei eu do século dezassete se nem muito do nosso vinte e um? «Ame-se a mulher, mas de tal sorte que se não perca por ela seu marido. Aquele amor cego fique para as damas, e para as mulheres o amor com vista. Ou cure os olhos que tem, ou os peça emprestados ao entendimento desses que lhe sobejam.»
3: A Noite e o Riso, de Nuno Bragança. Título maior do romance português do século vinte, caso Jorge de Sena não nos tivesse deixado (em versão por burilar?) os «Sinais de Fogo»? «Ainda eu me achava tonto de ejaculado e já ela sacudia, erguendo-se. Ao rebolar, magoei o sexo num calhau. O tempo de verificar estragos e sentar-me e já a rapariga se sumia através de canas.»
4: Portugal – o Mediterrâneo e o Atlântico, de Orlando Ribeiro. É apenas, dizia ele, «um esboço de relações geográficas». Para compreender o país como em nenhum outro lugar ou demanda. Literatura, também, como raras vezes a literatura portuguesa alcançou. «O frio moderado não provoca na vegetação o repouso hibernal. Uma única árvore tipicamente mediterrânica perde as folhas: a figueira; onde predominarem as árvores de folha caduca é sinal de que as condições setentrionais, atlânticas ou de altitude já se vão fazendo sentir.»
5: Anfíbios e Répteis de Portugal, de Nuno Ferrand de Almeida et all. Dezenas de anos de estudo e dedicação sobre a distribuição, o comportamento e a ecologia de espécies perseguidas e temidas em razão de antiquíssimos medos e generalizadas crenças e superstições. «O seu principal mecanismo de defesa [cobra-rateira, Malpolon monspessulanus] é a fuga. Por vezes, quando ameaçada, pode tornar-se agressiva, erguendo a região anterior do corpo, soprando e chegando a morder. Produz um forte veneno de características neurotóxicas. No entanto, não é perigosa para o Homem, já que se trata de uma espécie opistoglifa.»
A quem passo a corrente (e seja o que Deus quiser)? Ao António, ao Hélder, à Sílvia, ao nrc e à Lenor.
Aconselhar cinco livros? Aí vai: não se pedindo necessariamente os que se levariam para a ilha deserta, deixemos os óbvios (D. Quixote, sempre, o Borges todo, sempre, o Camilo, sempre, o Sthendal, sempre, por exemplo) e passemos aos que, sendo obrigatórios, nem sempre aparecem por aí muito citados:
1: Michael Kohlhaas, o Rebelde, de Heinrich von Kleist. Livro maior da literatura universal, deveria ser obrigatório nas escolas e nos governos. «O príncipe Cristiano von Meissen, bastante preocupado com o aspecto que as coisas tomavam, ameaçando ofuscar perigosamente o bom nome do seu soberano, foi imediatamente ter com ele ao palácio e, embora adivinhando o interesse dos von Tronka em perder Kohlhaas, se possível apoiados em novos delitos, pediu-lhe autorização para submeter imediatamente o negociante a um novo interrogatório.»
2: Carta de Guia de Casados, de D. Francisco Manuel de Melo. Prosa límpida, de estudar-se nas escolas se as escolas tivessem a preocupação de ensinar-se a língua pátria. Um cibo reaccionariozinho, sim, que sei eu do século dezassete se nem muito do nosso vinte e um? «Ame-se a mulher, mas de tal sorte que se não perca por ela seu marido. Aquele amor cego fique para as damas, e para as mulheres o amor com vista. Ou cure os olhos que tem, ou os peça emprestados ao entendimento desses que lhe sobejam.»
3: A Noite e o Riso, de Nuno Bragança. Título maior do romance português do século vinte, caso Jorge de Sena não nos tivesse deixado (em versão por burilar?) os «Sinais de Fogo»? «Ainda eu me achava tonto de ejaculado e já ela sacudia, erguendo-se. Ao rebolar, magoei o sexo num calhau. O tempo de verificar estragos e sentar-me e já a rapariga se sumia através de canas.»
4: Portugal – o Mediterrâneo e o Atlântico, de Orlando Ribeiro. É apenas, dizia ele, «um esboço de relações geográficas». Para compreender o país como em nenhum outro lugar ou demanda. Literatura, também, como raras vezes a literatura portuguesa alcançou. «O frio moderado não provoca na vegetação o repouso hibernal. Uma única árvore tipicamente mediterrânica perde as folhas: a figueira; onde predominarem as árvores de folha caduca é sinal de que as condições setentrionais, atlânticas ou de altitude já se vão fazendo sentir.»
5: Anfíbios e Répteis de Portugal, de Nuno Ferrand de Almeida et all. Dezenas de anos de estudo e dedicação sobre a distribuição, o comportamento e a ecologia de espécies perseguidas e temidas em razão de antiquíssimos medos e generalizadas crenças e superstições. «O seu principal mecanismo de defesa [cobra-rateira, Malpolon monspessulanus] é a fuga. Por vezes, quando ameaçada, pode tornar-se agressiva, erguendo a região anterior do corpo, soprando e chegando a morder. Produz um forte veneno de características neurotóxicas. No entanto, não é perigosa para o Homem, já que se trata de uma espécie opistoglifa.»
A quem passo a corrente (e seja o que Deus quiser)? Ao António, ao Hélder, à Sílvia, ao nrc e à Lenor.
segunda-feira, julho 09, 2007
Os dias estão a ficar mais pequenos
CHAMO-ME JOÃO, tenho vinte e três anos e garanto que os dias estão a ficar mais pequenos. É certo que deixei os estudos muito cedo para trabalhar nos bares e no que fosse aparecendo. É certo: sinto muitas vezes que me falta um pouco da ciência dos livros. Mas sei como funcionam as coisas do mundo e do universo vasto onde se perde o que de nós mesmos sabemos. Orgulho-me, aliás, de conhecer o que tantos desconhecem sobre os astros e os asteróides, sobre a passagem do tempo, sobre a Próxima de Centauro, sobre Andrómeda ou as galáxias espirais. Reconheço: aprendi com a Teresa a olhar o céu no silêncio da sua casa, nos bancos corridos do jardim de pequenos arbustos aromáticos, na açoteia onde montou um telescópio, e a ficar assim rendido ao silêncio das estrelas, dos cometas, dos outros dois iluminados planetas do nosso sistema solar: aprendi com ela, reconheço, a experimentar em mim a lancinante percepção da pequenez do que somos. Mas não é isso o que vem ao caso. O que vem ao caso é a evidência de que os dias, dia após dia, e quando deveria ocorrer exactamente o contrário, estão a ficar mais pequenos. Recordo-me: despedimo-nos com lágrimas no dia vinte e dois de Março. E recordo-me por não esquecer a frase que a Teresa me deixou como memória desse desencontro: «Separamo-nos, João, no momento em que a elíptica cruza o equador celeste». Era o equinócio: quando as águas do mar se erguem num rumor subterrâneo, afastado, vindo de longe e de lugar nenhum. Quando as aves, de súbito, deixam os ramos das árvores e cruzam o céu em largas e vagarosas elipses. Quando o dia e a noite têm a mesma exacta duração. Isso recordo-me. E sei que a partir dessa data, até que o solstício de finais de Junho inverta os movimentos do mundo, os dias continuam a crescer progressivamente em duração e intensidade de luz. Não se compreende, pois, que aconteça exactamente o contrário. Que cada vez anoiteça mais cedo, que cada vez a manhã demore mais um pouco a levantar-se da terra: hoje é dia doze de Junho, são quatro da tarde e é quase noite. E é assim, como se a sombra e a passagem do tempo tivessem uma origem comum, que a memória de Teresa regressa. É quase noite. Confuso, indeciso, rendido à evidência das sombras, caminho ao acaso na rua deserta. E uma tristeza sem nome parece caminhar a meu lado, tocar-me nas mãos, entrar comigo pela noite dentro numa noite que deveria ainda ser dia, claridade, luz e exaltação.
CHAMO-ME TERESA, tenho vinte e três anos e garanto que os dias estão a ficar mais pequenos. É estranho: hoje é dia doze de Junho, são quatro e meia da tarde (isto é um modo de dizer) e é já de noite. Demorei a acreditar que não era em mim apenas que sentia crescer a sombra e a sentir que a sombra me tocava mais tempo. Vivo sozinha. A minha casa fica quase na cumeada, erguida sobre a vertente aplanada do ribeiro do Álamo. Vejo dali, olhando na direcção da terra ou na direcção do céu, quase tudo o que me interessa no mundo: o meu pequeno mundo e simultaneamente vasto, inominável, sem fim nem princípio. O Guadiana: as suas águas, em Maio, a reflectir um outro azul ou a correr na vazante, lamacentas, depois da chuva, sob uma nuvem espessa que vem de Espanha e parece ficar poisada nas areias da península de Cacela Velha. O mar da baía recolhido ao silêncio do Inverno. O pátio. Os muros de xisto. As hortas minúsculas, as últimas. Uma eira em ruínas, uma nora, uma cisterna. A amendoeira grande. As paredes de cal. A açoteia com tijoleira de Santa Catarina. Canes venatici e cor caroli, a sua estrela alfa. Bootes e arcturus. Cassiopeia. A ursa maior, a ursa menor, dubhe e polaris. Draco, lynx, coma berenices. Mas hoje sei que o mundo não faz sentido sem as suas mãos a tocar as minhas mãos. Hoje sei que a sombra vai crescendo, dia após dia, noite após noite, à medida que vai ficando mais ténue, ou mais viva, a memória das suas mãos nas minhas mãos. Atravesso o jardim e fico por algum tempo sentada na pedra do muro do pátio a olhar a noite. Uma noite escassamente iluminada pela lua que começa a erguer-se no horizonte. Uma noite estranhamente fria, estranhamente feita de um silêncio que parece nascer das profundezas da terra. E é então que vejo um automóvel a aproximar-se. Dois faróis acesos a iluminar o estradão e os troncos das alfarrobeiras do pomar. Um automóvel a cortar o silêncio ancestral da noite em fatias descontínuas. E fico assim, por instantes, interdita, a imaginar que talvez amanhã a luz se erga mais cedo, que talvez amanhã anoiteça mais tarde e que tudo regresse à ordem natural das coisas.
CHAMO-ME TERESA, tenho vinte e três anos e garanto que os dias estão a ficar mais pequenos. É estranho: hoje é dia doze de Junho, são quatro e meia da tarde (isto é um modo de dizer) e é já de noite. Demorei a acreditar que não era em mim apenas que sentia crescer a sombra e a sentir que a sombra me tocava mais tempo. Vivo sozinha. A minha casa fica quase na cumeada, erguida sobre a vertente aplanada do ribeiro do Álamo. Vejo dali, olhando na direcção da terra ou na direcção do céu, quase tudo o que me interessa no mundo: o meu pequeno mundo e simultaneamente vasto, inominável, sem fim nem princípio. O Guadiana: as suas águas, em Maio, a reflectir um outro azul ou a correr na vazante, lamacentas, depois da chuva, sob uma nuvem espessa que vem de Espanha e parece ficar poisada nas areias da península de Cacela Velha. O mar da baía recolhido ao silêncio do Inverno. O pátio. Os muros de xisto. As hortas minúsculas, as últimas. Uma eira em ruínas, uma nora, uma cisterna. A amendoeira grande. As paredes de cal. A açoteia com tijoleira de Santa Catarina. Canes venatici e cor caroli, a sua estrela alfa. Bootes e arcturus. Cassiopeia. A ursa maior, a ursa menor, dubhe e polaris. Draco, lynx, coma berenices. Mas hoje sei que o mundo não faz sentido sem as suas mãos a tocar as minhas mãos. Hoje sei que a sombra vai crescendo, dia após dia, noite após noite, à medida que vai ficando mais ténue, ou mais viva, a memória das suas mãos nas minhas mãos. Atravesso o jardim e fico por algum tempo sentada na pedra do muro do pátio a olhar a noite. Uma noite escassamente iluminada pela lua que começa a erguer-se no horizonte. Uma noite estranhamente fria, estranhamente feita de um silêncio que parece nascer das profundezas da terra. E é então que vejo um automóvel a aproximar-se. Dois faróis acesos a iluminar o estradão e os troncos das alfarrobeiras do pomar. Um automóvel a cortar o silêncio ancestral da noite em fatias descontínuas. E fico assim, por instantes, interdita, a imaginar que talvez amanhã a luz se erga mais cedo, que talvez amanhã anoiteça mais tarde e que tudo regresse à ordem natural das coisas.
sábado, julho 07, 2007
quarta-feira, julho 04, 2007
segunda-feira, julho 02, 2007
domingo, julho 01, 2007
[Outra versão]
Nos teus nomes
Se as estrelas se desmoronarem de súbito só
de te moveres
se as mais inumeráveis lâmpadas do amor se acenderem só
de te moveres
se o fogo subir desde as mais improváveis raízes só
de te moveres
se o equilíbrio dos astros ficar em perigo só
de te moveres.
Se as estrelas se desmoronarem de súbito só
de te moveres
se as mais inumeráveis lâmpadas do amor se acenderem só
de te moveres
se o fogo subir desde as mais improváveis raízes só
de te moveres
se o equilíbrio dos astros ficar em perigo só
de te moveres.
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