Nunca havemos de esquecer o fascínio
das contas de madeira do ábaco da escola
furadas para correrem em prumos metálicos horizontais:
era um pequeno ábaco e provavelmente
é possível decifrar uma parte do mundo
movendo-as com recurso às técnicas
de análise combinatória.
Todos os mistérios do universo se escondem
na matemática. Borges ensinou
que é possível escrever o Quixote
recorrendo a uma parte insignificante das
combinações possíveis das letras
do alfabeto. E Deus não O é senão
de conhecer o segredo de mover de uma só vez
as contas todas do infinito ábaco da orbe.
Assim uma árvore existe além dos ramos e das folhas
crescendo nas tardes quentes de Julho
por ter na geometria inscritas as suas pretéritas formas.
Há uma regra anterior ao crescimento do tronco
das alvíssimas bétulas de Segirei
ou dos freixos das margens do Tâmega:
apenas a essa regra e ao seu domínio subtil
responde o erguer desses cilindros perfeitos
contra o olhar e a cultura e
os coincidentes erros de percepção.
Era no tempo do Liceu de Chaves e pela primeira vez
nos perturbava a ideia de que a Arte
revertia da compreensão de fórmulas
intemporais. Sabemos hoje que a natureza e a paisagem
procuram ainda na geometria as suas próprias leis
e que o fascínio da raiz do codesso
vem de compreendermos que antes da luz e dos sais minerais
que antes do colo e da coifa
um quadrado ou um círculo se inscrevem por dentro dos seus nomes
pelo lado mais intangível e íntimo e profundo.
Abril 2009