O parecer do meu avô era o
de que o vinho deixado no frigorífico
quebrava. Nas vésperas
do Senhor do Monte ia durante
a noite à ribeira e alinhava as garrafas
entre os seixos e as ervas
altas. A meio da manhã do dia seguinte
gostava de tirá-las da seira
de vime desviando os
fentos ainda húmidos e despejar
num copo de vidro esse
líquido vivo e ligeiramente fresco
que olhava à transparência. No último
sábado de Julho o calor agarrava-se
à pele e ficava durante
muito tempo poisado nos terreiros
de saibro. Depois da procissão
os peregrinos estendiam os liteiros
nas sombras do pinhal
enquanto não fosse o tempo
de se aproximarem dos coretos a
ouvir os metais e a percussão
das filarmónicas. O meu avô começava
por essa altura a ficar impaciente
e a insistir no regresso
a casa. E recusava-se a aceitar
as bebidas tiradas das arcas
frigoríficas cheias de gelo
com a certeza de
que o vinho e a vida e o amor
quebravam quando eram
aquecidos ou arrefecidos
por métodos artificiais.