Era o frio
que trazia as rezas e os louvores.
Era quando os fantasmas do esquecimento
atravessavam as divisórias
dos quartos.
A névoa ficava poisada nos campos
e depois deslaçava vagarosamente
para que a neve descesse
das cumeadas
distantes.
Uma imensa navalha de silêncio
cortava os vales
como se fizesse uma incisão
num corpo adormecido
nos arames
das vinhas.
E então rezava-se em voz alta
como se estarmos vivos
dependesse
de nos ouvirmos
uns aos outros. E o eco das orações
atravessava
os campos de pousio.
Havia sempre alguém
que desconhecia
os mitos. Havia sempre alguém
que saía à rua
nestas tardes paradas
como a água
dos aquários
das casas
em ruína.
O cão das múltiplas cabeças
guardava os labirintos
subterrâneos
à entrada
da mina
das nascentes.
Parecia afável.
E havia sempre alguém
que se aproximava
e entrava
sem saber
que nunca se regressa
dos lugares
ausentes.