Há uma ave a única
a ave do silêncio
a que deixa nas páginas ímpares dos
livros de aventuras da gulbenkian
a frase indecifrável dos desastres
uma palavra de nenhuma sílaba
a reverberação da nuvem
iluminada
dos meses de junho.
E depois
nos degraus de casa
em vez das sombras dos complementos directos
uma fotografia guardada para os meses frios
um rosto contra a tempestade
a chuva demorada atrás dos vidros das janelas
de ser
quase
o verão.
E outra vez o silêncio
a pedra obscura
do que
não tem ainda
um nome.
Caminhos se desenham
na periferia
dos bosques
iluminados na distância de serem breves
os nomes antigos
as flores pretéritas dos
matos das encostas
uma estrela desenhada por
dentro das
constelações de
sílabas
contadas
pelos dedos.
Era no tempo dos livros em vez das florestas.
Era no tempo das frases
era no tempo dos títulos desenhados a tinta da china
nas capas dos romances
era no tempo da água/
dos canais de rega inscritos na aluvião
era no tempo dos primeiros mapas dos
primeiros nomes do mundo
o lugar a que pertencíamos
antes
do deserto.
Talvez só o silêncio
o rumor imperceptível e distante das nascentes próximas
a água descendo as escada inclinadas
dos substantivos.
E se respirássemos
ouvia-se o eco
de sermos tão jovens.
E então
sobre todas as coisas
sobre as facas dos talheres e a pedra da lareira
sobre a tábua da masseira e
as folhas do comércio do porto dos louceiros
recortadas vagarosamente
com as tesouras de costura/
os números dos ábacos
a aritmética
a narrativa
um verso
o único verso
como a única ave que não se desprende
de tocarmos a água dos açudes
como se fosse possível ainda
a invenção dos milagres.
A pedra
a que nem
conseguíamos dar um nome.
A pedra quase uma nuvem
a nuvem quase uma pedra.
E agora é tarde.
E nenhuma outra coisa
nos é
dado saber.