Mas assim se passaram as coisas. E apenas quatro passageiros seguiram na camioneta da carreira que saiu às três e cinco do Largo do Toural: dois pides e dois conspiradores contra a segurança do Estado. Na tarde sentia-se a rarefacção do ar, um silêncio que era muito mais que a ausência de som, a imobilidade dos objectos de família poisados nas cómodas velhas. A camioneta da carreira descia a Rua Vinte e Oito de Maio como se prosseguisse numa cápsula de vácuo e como se as mulheres debruçadas às janelas e os homens parados à porta da barbearia, e os cães adormecidos no quelho das Casas do Canto, e os gatos estirados na varanda da ourivesaria, e os pássaros escondidos nos ramos densos dos abetos do jardim, estivessem já fixados nos sais de prata das fotografias.
Também lá dentro, nos bancos da frente, não se ouvia o ruído do motor nem o chiar dos eixos de um carro de bois que se arrastava pela estrada do Noro, não se ouvia uma palavra, não se percebia a mais ligeira oscilação da viatura. E foi então que o pide número um moveu a cabeça e depois aproximou o rosto da janela e viu que um homem voava sobre a Vila, vagaroso, ausente, distante, na tarde que de súbito se sobressaltou com o voo de todos os pássaros até então escondidos nos abetos do jardim dos Correios. Tirou os óculos escuros, encostou o nariz ao vidro embaciado, o barulho do motor da camioneta da carreira misturou-se ao tumulto das aves a esconder o céu. Fixou o olhar. Mas se alguém voava sobre a Vila, sobre o quadriculado da Veiga, sobre as encostas de urze e pinheiros bravos, acabara de desaparecer por entre a sombra escura que descia sobre as ruas e os telhados.