OS CIGANOS
Dizem que vêm da Europa Central. Eu vejo-os vir
dos lados de Grijó em lassa caravana.
Debaixo da carroça trota a coelheira,
aproveitando a sombra débil e ambulante.
Sentado na boleia, as rédeas na mão morena
descuidadas, um homem cisma, confia
do caminho ao macho lento a decisão.
Outros homens a pé e mulheres novas
entretêm de riso a caminhada espessa.
Logo após, sobre os burros, os pertences.
Alguns velhos também, já cansados de tudo,
tiram partido do precário trote. As crianças
de peito sugam em sonolenta teima
as elásticas tetas sacudidas, mas alvas e redondas.
Os mais velhitos caminham repartidos
em pequenas e lúdicas manadas, dando
às hortas laterais breves saltos furtivos.
Toda esta gente é morena e tem fala cantada,
levanta para mim doces olhos castanhos.
Dizem que vêm
da Europa Central, de uma raça sem chão,
e aqui procura, de insultos rodeada,
cumprir a sua luta, seu degredo
e sua primitiva vocação.
Dizem que os ciganos desenterram animais defuntos
de alguma enfermidade menos limpa
e neles cravam dentes de fome milenária.
Dizem que as mulheres estão na intimidade
das estrelas e a troco de uns mil-réis
lêem nas mãos destinos coloridos.
Dizem que roubam quintais e assaltam capoeiras,
e os aldeões, em pânico secreto,
os expulsam com voz impiedosa e decidida mão
das cercanias do seu chão governado.
Dizem que enganam os crédulos campónios
em negócios sempre escuros de animais,
em que fazem passar por uma estampa
o mais escalavrado e cego dos cavalos.
Dizem que na vila, ao desfazer das feiras,
têm por costume, depois de embriagados,
trocar com as bengalas possantes e vistosas
pancadaria rija, de que morrem.
Dizem que vivem estranhos dramas passionais.
Dizem que não têm deus e que se casam
lançando ao ar jubilosos chapéus.
Dizem tudo isso dos ciganos. Eu não sei.
Vejo-os vir dos lados de Grijó
e estão todos de frente para mim
e parecem-me gente - nada mais.