Coisas que chegámos a pensar
que guardaríamos para sempre. Um disco
dos Doors. Umas calças de ganga. Um seixo
rolado da Presa das Tílias. Um livro
de Teixeira de Pascoaes. Uma
carta de amor com a letra ainda trémula
de os sentimentos de quem escrevia
se sobreporem aos cuidados
da caligrafia. Um mapa das estradas.
Coisas assim. A vereda a caminho do rio
onde pela primeira vez as nossas mãos
por um momento tão breve
chegaram a tocar-se. Uma dança
num baile de aldeia. Uma viagem de automóvel
sem gps. O odor húmido
dos pinheiros bravos depois dos incêndios.
Coisas assim
que um dia julgámos
que havíamos de guardar como tesouros
inconsumíveis. E no entanto
fomos perdendo tudo
até os bolsos ficarem vazios
e o coração apagado como num incidente
de inverno. E nem a memória
de tudo isso pode agora valer-nos.
Porque a memória
recupera sempre o que não temos
ou já não podemos ter.