Sinto-me outra vez tão cansado
de ter que carregar os astros
de um lado para o outro, de ter que arrumá-los no fim-de-semana
a procurar um espaço na garagem
entre fasquias, latas de tinta e peças dos restos de motores,
de ter que trazê-los de novo para a loja
muito cedo nas segundas-feiras de manhã.
Sinto-me tão cansado de ter que andar com eles às costas,
a expô-los na montra,
a escrever com marcadores de feltro
os papelinhos dos saldos,
a passar os dias inteiros à espera
dos tão escassos clientes
interessados neste primeiro quartel do século XXI
na poesia iluminada dos astros,
nesse fogo de combustão lenta,
nessa incandescência que vem
do lado de dentro das coisas,
nesta matéria afastada do câmbio,
neste produto menos valorizado hoi’ jem dia
que as batatas da Bretanha vendidas nas grandes superfícies
em saquinhos de três quilos
ao preço da uva mijona.
Sinto-me tão cansado,
sinto-me tão moído,
sinto-me tão farto de vender astros numa loja de comércio,
de ter que limpar-lhes o brilho
de ficarem tanto tempo nas estantes e nos expositores,
de vender ou procurar vender
a luz perfeita desses incêndios incombustíveis,
que chego a ter inveja dos funcionários públicos
que passam os dias a receber requerimentos
ou a preencher formulários
e a levar ao fim do mês
para casa
o ordenado inscrito no livro de estilo
dos vencimentos
do Estado.