Eram crianças como se tivessem holofotes.
Os homens chegavam durante a noite
e ficavam parados nos largos
a procurar nessa luz os segredos das renúncias.
E acreditavam que essa luz
vinha de um tempo anterior
ao tempo dos primeiros Livros.
E acreditavam que assim
podiam aproximar-se
da Palavra
reveladora.
Por isso rezavam.
Rezavam em voz baixa como se temessem
a reverberação dos sons
nos arames das vinhas.
Eram crianças como se fossem máscaras
de outras máscaras.
Os homens deixavam
os trabalhos dos campos
e procuravam nos guarda-fatos
o rosto verdadeiro
atrás do rosto devolvido pelos espelhos.
Os homens temiam enlouquecer
de nem terem um rosto.
E temiam que os seus rostos
estivessem escondidos
nos rostos das crianças.
Porque não havia nenhuma voz
e porque não havia
nenhum movimento
nem a cintilação de uma sílaba
nos muros das propriedades
ou nos andaimes das obras.
Porque
de súbito
só havia crianças.
Crianças.
Crianças como se fossem pedras incandescentes
tiradas de dentro dos cântaros.
Crianças como se fossem pistolas de plástico
e encerrassem nelas mesmas
a impossibilidade da revelação.